Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

sexta-feira, dezembro 17, 2004

Querido F.,

Há tempos estou para escrever, mas confesso que me deu preguiça, uma preguiça enorme de ter que passar para o papel tudo aquilo que vi em Nova York. Foram dias movimentados. Fiquei no apartamento da irmã da Lúcia, que estava no Brasil na mesma época. Me senti como se morasse por lá. Quer dizer, a diferenca era que eu podia tomar um café da manhã em casa, preparar coisinhas gostosas para comer de noite e bisbilhotar a vida dos vizinhos pela janela do apartamento. A rotina era de turista. Não parei um minuto. Andava tanto, tanto que de noie os meus pés não me aguentavam em pé e eu tinha que deitar e dormir para estar inteira novamente no dia seguinte. A partir de amanhã começo a voltar os dias para trás e escrevo tudo o que passei por lá.
E o Juarez? Bem... qando cheguei em casa, minha secretária eletrônica tinha dezoito mensagens. Todas dele. O dedo coçou, tenho que admitir. Mas me fiz de forte e não liguei. Quero alguém que me valorize daqui pra frente.
Saudades...
Até,
M.

quinta-feira, novembro 25, 2004

Querido F.,

Hoje estou num clima Música Urbana do Legião. "Não há mentiras nem verdades aqui/ Só música urbana...". Minha sala está um caos. A mala em cima do sofá e bolinhos de roupas separados por sacos plásticos. Descobri que, assim, as peças não amassam e eu não tenho lá muito saco para ficar passando roupas em trânsito. Meu avião pra Nova York sai amanhã de noite. O Juarez me ligou querendo me levar até o aeroporto. Disse que Célia já tinha combinado de me levar de carro. Mas vou sozinha mesmo.
Na semana passada saí com ele de novo. Combinamos de comer uma pizza e, depois, regar o papo com uns chopes no Jobi. E lá fui eu sozinha. Peguei um táxi na porta da minha casa e encontrei o Juarez, que não dirige, em frente ao restaurante. A fila estava grande, mas ele não tinha notado que era preciso botar o nome numa lista. E lá fui eu falar com o garçom e ficamos mais de meia hora esperando por um lugarzinho. A pizza veio engordurada, comi assim mesmo, olhando para baixo e vendo se a minha barriga já começava a crescer imediatamente de tanta gordura.
Mas continuava achando que ele estava bonito de camisa amarela, com um sorriso aberto. O chope estava bom. Lá pela meia-noite um casal amigo do Juarez chegou no bar e puxamos duas cadeiras para que sentassem também. Ficou um papo animado, mas mais ou menos uma hora depois, resolvi ir embora. E foi aí que descobri que ia embora sozinha de novo. Nada de companhia até em casa, nada de beijo de despedida ou esticada na minha cama vaporizada com essência de lavanda para ocasiões especiais. O Juarez disse que queria ficar mais, que a gente se encontrava no dia seguinte.
Fui assim mesmo e resolvi que, sozinha por sozinha, ficava era em casa mesmo com minha cachorrinha ou do lado da minha mala andando pelo mundo, que pelo menos não ia ficar com a barriga enorme de chope e pizza. No dia seguinte ele me ligou me chamando para um cinema. Mas eu peguei uma gripe. Na mesma semana, comprei o pacote para Nova York. A minha analista não sabe o que é bom da vida.
Até,
M.

terça-feira, novembro 09, 2004

Querido F.,

Estou pensando em passar dez dias em NY. Aproveitar as minhas milhas e ficar dias caminhando por aquela cidade cinza. Foi esta a impressao que tive quando fui pela primeira vez.
O Juarez me ligou hoje me chamando para sair. Aceitei. Devo estar louca...

Ate,
M.

sábado, novembro 06, 2004

Querido F.,

Me senti como uma adolescente. Juarez me levou para o Bracarense e sentamos numa mesa improvisada no meio da calçada. Ficamos conversando e conversando e, lá pelo meio da noite, descobri que nem uma mesa era. Estávamos apoiando os copo num barril com um pedaço de madeira em cima. E ele me falava da sua rotina, dos passeios que costumava fazer todos os dias pela cidade. Das horas que chegava a passar dentro de um ônibus só para conhecer um boteco lá do outro lado do Rio. Eu ficava lá dizendo que ele entendia muito do negócio, que, depois de visitar a quantidade que ele tinha visitado, já devia saber muito para abrir o seu próprio bar. E o homem lá, falando dos projetos para o futuro, de como ele queria morar numa cidade na beirinha do mar e montar um negócio tranqüilo para seus últimos tantos dias. E o bar fechou e ficamos andando pelo Leblon. Paramos na livraria para folhear revistas e, quando vimos, o sol já estava em cima de nossas cabeças. E o Juarez ficava segurando a minha mão e, de quando em quando, parava um minutinho para beijá-la. Meu coração começou a bater forte e senti um calor bem no meio do peito.
Ele me deixou em casa, me deu um beijo comprido na boca antes de ir embora e... eu percebi que não tinha falado nada de mim a noite inteira. E nem ele tinha perguntado absolutamente nada. Falta de interesse total. Fiquei meio chateada com isso... Logo me deu vontade de arrumar as malas. Ando namorando uma viagem para Nova York. Acredita que depois do 11 de setembro ainda não fui lá?

Até,
M.

domingo, outubro 31, 2004

Querido F.,

Desculpe estar novamente escrevendo sem acentos.... Estou semanas sem saber muito bem como te contar o que aconteceu. Foi no domingo de tarde, antes da hora do almoço. A Lucy acordou indisposta e cismou de passar o dia inteiro se recuperando de uma ressaca. Eu e o Juarez aproveitamos a carona de um casal hospedado na nossa pousada e fomos passear de lancha novamente.
Deve ter sido o vento. Ventava muito e tive que segurar o chapeu com as duas maos para que nao voasse. O ar, com toda a sua violencia, foi entrando dentro de mim e varrendo raiva, implicancia, mau humor e tirando as coisas todas do lugar. E, assim, entre uma travessia de lancha e um mergulho no mar, cai de amores.
Nao sei se foi o sorriso, mas achei ele especialmente bonito naquela tarde. E sumiu o Juarez beberrao, o espaçoso, o exagerado, aquele que cisma em afirmar, com a maior de todas as certezas, que o melhor botequim do mundo e aquele onde esta sorvendo sua tulipa de chope e mudar de ideia tres, quatro, cinco vezes numa mesma noite. Ficou um homem de sorriso bonito, que me estende a mao para saltar do barco e me chama de querida.
Em Paraty caminhamos por toda a cidade e Juarez, empolgado, constatou que por la nao ha um botequim sequer. E nos dois juntos andamos por mais horas e horas, procurando pela esquina onde ele pretende instalar o projeto de sua aposentadoria.
De noite, Juarez tentou me beijar, mas eu recuei... Amanha vamos nos encontrar para um cafe no fim do dia. Com ele, imagino que seja um cafe com cognac.

Ate
M.

sábado, outubro 23, 2004

Querido F.,

Não fomos para Ilha Grande. O Juarez sugeriu que a gente fosse para Paraty e, na quinta de noite, rumamos para cá. Para falar a verdade, não gostei muito da mudança, mas isso nada tem a ver com a cidade. Adoro o charme de Paraty e ainda guardo na memória os bons momentos que passei por lá na última Flip.
Confesso que o que me irritou foi este intrometimento do Juarez. Um convidado de última hora para lá de espaçoso. Se intrometeu no nosso programa e foi mudando tudo sem a menor cerimônia. Veio com a história de que está trabalhando em sua aposentaria e vem pesquisando um lugarzinho calmo e simpático para abrir um botequim e passar os fins dos dias arrastando os chinelos. Sinceramente, não consigo imaginar um futuro mais apropriado. Tá certo. Tá certo. Vou parar de implicâncias.
A verdade é que estamos nos divertindo muito. Na quinta, ainda tivemos tempo de jantar num restaurante Tailandês de Paraty. Lucy não tem do que reclamar. A cidade parece na medida para ela. Os paulistas e os estrangeiros invadiram tudo por aqui, montando estabelecimentos simpáticos, com um toque de sofisticação e boa comida. O tailandês, por exemplo, é moderníssimo, com decoração ultra colorida, flores caindo do teto e mesas pintadas com motivos tropicais. Poderia estar funcionando numa esquina de Ipanema, numa rua da Vila Madalena, mas tem a vantagem de estar instalado em Paraty. Temos beleza natural, conforto, boa comida, gente bonita (ai, como odeio esta expressão. Mas a Lucy está falando isso o tempo todo e escapou) e muito vinho. Tudo o que a Lucy queria ver reunido.
Em falar em vinho, o Juarez não economizou e, na primeira noite, tomou tantas cervejas que nem sei como conseguiu levantar da cadeira no final. Ontem ficamos rodando pela cidade, aproveitando as horas vagarosas para conversar e bebericar. Hoje alugamos uma lancha e conhecemos praias lindas. Ficamos nadando e nadando e não consigo pensar num dia mais agradável do que esse. Trouxe minha cachorrinha e ela anda muito enturmada com tudo. Parece que sempre viveu por aqui. Agora estamos saindo para aquele tradicional teatro de bonecos. Há uns dez anos esta companhia encena a mesma peça, mas é tão bonito, tão simples, singelo e tocante ao mesm tempo, que sempre assisto de novo.

Até,
M.

quarta-feira, outubro 20, 2004

Querido F.,
Hoje tenho duas coisas para falar. Primeiro, fiquei muito irritada porque a Lucy resolveu convidar o Juarez para nos acompanhar em nossa viagem a ILha Grande. Da para acreditar? Lembra dele? Beberrao. Vive com o nariz vermelho de tanta cachaça, cantando todas as mulheres que passam, com aquele ar de gala decadente. Fiquei revoltada. Tenho certeza de que, mesmo la, no meio do mato e da natureza, Juarez vai encontrar um pe-sujo para passar as noites. E vai varar a madrugada com a barriga encostada no balcao, conhecendo a historia do bar e do dono do estabelecimento inteirinhas. Depois, vai querer nos convencer de que encontrou uma reliquia em plena Angra dos Reis.... Saco!
E nao posso deixar de registrar aqui minha profunda tristeza com a morte de Fernando Sabino. Me senti muito sozinha quando escutei no jornal que ele tinha partido. Grande amigo. Que me ensinou em livros como, "O encontro marcado", que se sentir um marciano em plena Terra nao era privilegio ou dor apenas minha. Que a angustia e aquele vazio dentro do peito, de quem nao descobre o seu lugar, estao presentes em outros coraçoes tambem.
Hilda Hilst, Fernando Sabino..... Era tao bom saber que eles continuavam por aqui, caminhando, produzindo...Mesmo que eu nunca tivesse trocado uma palavra com nenhum dos dois. Era muito bom saber que estavam por perto. Saudades....

Ate,
M.

sexta-feira, outubro 15, 2004

Querido F.,

Lucy nao quer acampar. Disse que este tempo ja passou e que hoje ela gosta mesmo e de uma pousadinha confortavel, com ar-condicionado, lençois limpos e banho quente. Talvez tenha razao.... Disse que seu tempo de menina hippie ficou no passado e, hoje, aprendeu com a maturidade que nao precisa passar nenhum sufoco para estar em contato direto com a natureza. Quer tirar o melhor de tudo...
Talvez ficasse meio ridiculo mesmo... Duas senhoras com seus pequenos cachorros penteados querendo voltar no tempo numa barraca de camping. O tempo nao volta. Passou.
Mas vmos comemorar o hoje, entao. A amizade e a natureza!

Ate,
M.

terça-feira, outubro 12, 2004

Querido F.,

A Lucy veio aqui em casa na ultima semana. Ha tempos nao nos viamos e ficamos horas botando o papo em dia. Fiz um jantar caprichado, daqueles que costumava fazer para voce, lembra? Cuscuz marroquino e frango com curry. Receita da vovo. Ficou excelente. Tomamos vinhos, acendi umas velinhas com suporte de ceramica em cima para filtrar a luz e abri a porta da varanda para a casa ficar com cheirinho de mato. Pode acreditar. Com a quantidade de plantas que tenho na varanda, consigo cheirinho de mato em plena Nossa Senhora de Copacabana.
Lucy vai voltar a morar no Brasil. Falei para ela que talvez um dia voce venha tambem, nao e mesmo? Se casou pela quinta vez e agora anda escrevendo umas colunas sobre sexo para o jornal Folha de Sao Paulo. Supimpa! Achei interessante. MInha amiga fica ate o fim deste mes e combinamos de passar um fim de semana em Ilha Grande acampando. E, isso mesmo. Vamos acampar para lembrar os velhos e bons tempos. Saudades suas....
Ate,
Madame M.

domingo, outubro 03, 2004

Querido F.,

Meu computador quebrou... Isso explica tanto tempo sem escrever. Não sei o que fazer para conserta-lo. Fico pensando porque não optei por me casar na minha vida. Isto resolveria muitos dos meus problemas... Ia ter pelo menos alguem para me ajudar a manter as coisas funcionando.
Na semana passada fui a São Paulo. A intenção era ir à Bienal, mas eu me informei mal. A exposição só começaria no fim de semana. E, como agora estou sofrendo uma coisa muito estranha: uma vontade louca de sair de casa e, depois de uns dias, uma outra ainda maior de voltar logo (nunca estamos satisfeitos, não é mesmo?), não vi nada de artes plásticas na minhas estada por lá. Aproveitei, então, para assistir à apresentação do Ballet do Teatro Scala de Milão. Balé clássico me faz lembrar a infância. As aulas de balé na Dalal Achcar, no Rio. Foi tudo muito lindo por lá. O grupo dançou uma versao de "Sonho de uma noite de verao", a obra de Shakespeare coreografada pelo mestre Balanchine, que revolucionou a dança classica no seculo XX. Amei! Agora, preciso marcar outra viagem. Acho que volto para ver as artes...

Até,
M.

domingo, setembro 19, 2004

Querido F.,


Nao sei se te contei, mas agora ando fazendo analise. E. De tanto insistirem comigo, resolvi ceder. Ficavam dizendo que esta minha mania de viver viajando e simplesmente uma forma de escapar da vida. Eu sei, eu sei, que toda vez que me sinto um pouquinho deprimida, um ventinho monotono que seja batendo na minha janela, corro e arrumo as malas. As pessoas ate podem ter razao. Viajar tambem nao e vida? Pois, entao. Como posso estar correndo dela? MInha analista, como todo analista, acha que ha um fundinho de verdade nisso tudo e que meus mais fundo desejos pedem que eu me aquiete em casa. Caso contrario, o que afinal de contas estaria eu fazendo la. Afinal, nao fui obrigada. Eu mesma marquei minha primeira hora. Ela provavelmente tem um pouco de razao. Agora, minhas escapolidas tem tempo determinado. Nao podem durar mais do que uma semana. Toda sexta, Amelia esta la esperando por mim. E sabe que tenho gostado? Nasci para fazer analise. Para pensar na vida, nos propositos escondidos atras de nossos atos.
E voce? Como anda?

Ate mais,
M.

segunda-feira, setembro 13, 2004

Querido F.,

Desculpe a demora em responder. Passei a semana botando as coisas em ordem aqui em casa. Estou fazendo desenhos dos lugares onde vou e esta semana inaugurei uma parede na minha sala com as pinturas.
É impressionante como realmente nunca, nunca estamos satisfeitos com o que temos. Tanta era a minha vontade de voltar e, agora que enfim estou instaladinha nos meus cobertores, com meus queridos livros na estante e a caótica e acolhedora imagem da Avenida Nossa Senhora de Copacabana da janela, não penso em outra coisa a não ser no meu próximo destino. Já começo a planejar outra viagem. O que posso fazer? Já nasci com este espírito inquieto.
E tem mais... Estou feliz, feliz com minha cachorrinha de volta, mas, ontem, fiquei com vontade, juro, de devolvê-la para o filho do Seu Zé e ir só visitar no fim de semana. A danada comeu meu chinelo preferido, um com uma carinha de dálmata que você tinha me dado de presente, lembra? E resolveu fazer do meu tapete da sala seu banheiro. Desde então, não falo com ela, passo olhando para outro lado. Amanhã o gelo acaba. Ai, ai, ainda bem que ela não sabe ler...

Até,
M.
Querido F.,

Desculpe a demora em responder. Passei a semana botando as coisas em ordem aqui em casa. Estou fazendo desenhos dos lugares onde vou e esta semana inaugurei uma parede na minha sala com as pinturas.
É impressionante como realmente nunca, nunca estamos satisfeitos com o que temos. Tanta era a minha vontade de voltar e, agora que enfim estou instaladinha nos meus cobertores, com meus queridos livros na estante e a caótica e acolhedora imagem da Avenida Nossa Senhora de Copacabana da janela, não penso em outra coisa a não ser no meu próximo destino. Já começo a planejar outra viagem. O que posso fazer? Já nasci com este espírito inquieto.
E tem mais... Estou feliz, feliz com minha cachorrinha de volta, mas, ontem, fiquei com vontade, juro, de devolvê-la para o filho do Seu Zé e ir só visitar no fim de semana. A danada comeu meu chinelo preferido, um com uma carinha de dálmata que você tinha me dado de presente, lembra? E resolveu fazer do meu tapete da sala seu banheiro. Desde então, não falo com ela, passo olhando para outro lado. Amanhã o gelo acaba. Ai, ai, ainda bem que ela não sabe ler...

Até,
M.

sábado, setembro 04, 2004

Querido F.

Cheguei no Rio num dia de chuva. Chuvisco seria mais preciso dizer. Mas vi aquilo com os olhos de um otimista: a cidade está me recepcionando! Vou lavar a alma!
Acho que esta vontade louca de voltar para casa tinha uma intuição forte por trás. Isso porque tive uma surpresa maravilhosa assim que cheguei na portaria do meu prédio. Nem precisei subir as escadas. Seu Zé, o porteiro, me recebeu com um sorriso e deu logo a notícia: acharam a sua cachorrinha. Eu não falei para a senhora? Quando a gente bota o endereço e o telefone na coleira, pode dar sorte de encontrar a bichinha de novo!
Nem consegui responder. Fiquei completamnte sem palavras. Saí correndo para a casa do Seu Zé e vi a bichinha sentada numa almofada no chão, como se visse televisão do lado da filha dele. Era a mesma e estava linda. Fiquei com os olhos cheios d'água e ela comemorou abanando seu rabo compriiiido. Levei a minha cachorrinha pra casa feliz da vida, mas fiquei com a imagem dela vendo TV na cabeça: será que queria voltar?

Até.
M.
Querido F.,

Só tenho uma coisa a dizer: e o Rio de Janeiro continua lindo...

Até,
M.

terça-feira, agosto 31, 2004

Orlando, 31 de agosto de 2004

Querido F.,

Descobri hoje de manhã que a minha pssagem é para amanhã e não para quinta, como tinha pensado. Onde estou com a cabeça? Quando olhei a data no bilhete só senti vontade de dizer uma coisa: IIIIUUUPPPPPIIIIIIIII!!! Felicidade! Definitivamete, Orlando e eu não nascemos para ficar juntos. Deixo a terra sem saudades. Hoje fui fazer comprar. Quer dizer, olhar lojas, porque o meu orçamento não me permite comprar mais do que o almoço. Fui num shopping aqui só com pontas de estoque. Uma maravilha. Tudo barato mesmo. Tinha loja da Nike com tênis por menos de R$ 100 (em reais mesmo). Tá certo que isso não é barato, mas experimente ir no shopping e ver quanto está custando um sapato da Nike. Quase o dobro. Tinha Gap e um monte de outras lojas que eu adoro. Consegui comprar uma bolsinha na Gap por US$ 2. Dá pra acreditar? Seis reais! Pudera, tava na promoção da ponta de estoque, mas eu juro que não era bagulho não. Bonitinha que só. Bem, mas minhas compras pararam aí.
Amanhã estou embarcando!
Ah, e agosto acabou! Ainda bem! Êta mês difícil...

Até...
M.
Querido F.,

Hoje fui ao Sea World. Como estava cheio. Nunca imaginei. Uma multidão enorme. Vi um berçário de golfinhos. Não achei muita graça. Os pobres ficam numa piscina (pequena, não é grande não) e a gente fica vendo uns rabinhos mexendo e alguns pulinhos de uns mais levados. Almocei num restaurante onde você consegue ver um monte de tubarões passando. No começo fiquei fascinada. Depois me deu um nervoso danado. Eles passavam e passavam e passavam. Fazendo sempre o mesmo percurso. Pareciam mecânicos. Ai, ai, ai... Talvez eu esteja de mau humor. Mas a verdade é que me senti muito sozinha. Podia ficar sentada num canteiro qualquer daqueles. O dia inteirinho, sem nem me mexer. Ninguém nem ia notar... Era tanta gente que eu me senti invisível...
Até mais,
M.

domingo, agosto 29, 2004

Querido F.,

Estou há quase uma semana aqui em Orlando e a única coisa que posso dizer é que... não aguento mais. Já comprei um chapéu com as orelhinhas do Mickey, bichos de pelúcia nas muitas lojinhas dos parques (não tenho idéia de onde vou colocá-los depois, mas simplesmente parece impossível deixar de comprá-los) e, sim, preciso confessar, no início parecia uma crinça vibrando em montanhas-russas, tirando fotos dos bichos de pertinho no Bush Gardens e mergulhando com os golfinhos no Paradise Island. A sorte foi ter viajado sozinha. Isso evitou que alguém visse cenas ridículas potagonizadas por mim. No Paradise Island, por exemplo, um parque cheio de lagos, onde você pode mergular junto com os peixes e passar a mão em arraias e golfinhos, cada visitante recebe uma macacão de calça e camisa curtas, justinho ao corpo, além de máscara e snorkel. Me espantei quando vi minha imagem refletida num vidro. Minha aparência se aproximava muito a de uma meninnha de uns seis anos, exatamente ao meu lado. Cabelos molhados e descabelados, máscara na mão, ligando a mínima para os pneuzinhos que apareciam desenhados no macacão. É, eles conseguiram me fazer voltar à infância. Quase saí correndo entre os lagos, segurando as pernas com a mão e dando um pulo na água, BOMBA, para molhar todos em volta. Bem, mas nem que eu tivesse seis anos, poderia fazer isso. Porque os americanos são todos cheios de normas, cuidados, leis. Tem o comportamento todo controlado. E era só olhar com mais atenção para o lado para ver que a água dos lagos tinha um gosto insuportável, salgada artificialmente, com temperatura, PH e tudo mais controlado. A vegetação era um jardim planejado por algum paisagista e o ambiente imitava pedra, imitava grama, imitava areia. Estou agoniada com tudo aqui. Tudo à minha volta finge ser alguma coisa.
Ontem senti um certo alívio. Fui visitar um lugar chamado Ybor City, em Tampa. É um bairro histórico. Eu não sabia, mas muitos cubanos se instalaram nesta localidade no início do século passado e a região chegou a ser um pólo de fabricação de charutos. Hoje ainda é possível comprar charutos feitos lá, mas as fábricas fecharam quase todas. Os prédios, porém, ainda estão de pé, feitos de tijolos de verdade, maçicos, com os enormes janelões para iluminar o ambiente. Tem museu, com aposentados dando explicações sobre a história local, e dá para fazer um passeio a pé (coisa rara nos Estados Unidos) com guia, dando uma volta por todo o bairro. Um alívio... Tudo ali existiu de verdade e tem uma história para contar. Me senti, pelo menos um pouquinho, conectada com o mundo.
Bem, ainda faltam três dias. Mando notícias.

Até.
M.

terça-feira, agosto 24, 2004

Querido F.,

Saudades suas... Acabou o período de luto. Pelo menos, decidi que era hora de retomar a vida. Estou aqui no aeroporto. Parei um minuto para lhe enviar esta mensagem. Vou para Orlando. Tantos e tantos brasileiros fazem este mesmo percurso todo ano. Os americanos mesmo, basta ter um pequeno feriado, para se enfiarem nos parques de diversões. Vou também. Colei adesivos coloridos na minha mala. Portanto, acho que não vou ter problemas em encontrá-la e ando animada. Quero experimentar tudo, deixar a parte criança que ainda existe aqui dentro fluir. Vamos ver o que acontece.
Ah, os dias voltaram a nascer ensolarados....

Até mais...
M.

quinta-feira, agosto 05, 2004

Minha mala não saiu do armário, estou sentada na minha própria cama, do lado da minha mesinha de cabeceira, longe de qualquer mobiliário impessoal de um quarto de hotel. Mas hoje eu acordei e estava tudo diferente. Olhei pela janela e juro que o prédio da frente não estava mais lá, colocaram uma névoa densa e cinza no lugar. Não havia árvores na rua e pessoas de roupa fluorescente circulavam lá embaixo. Que cidade é essa? Tantas vezes já acordei assustada no meio da noite numa cidade distante, de um país esquisito, tentando fazer na memória o percurso das últimas semanas. Tentando me localizar num espaço irreconhecível. Nunca tinha acontecido era de despertar em casa e me sentir no apartamento de outra pessoa, como nos sonhos, você gira a chave e encontra do outro lado da porta uma casa que não é mais a sua, ocupada por pessoas que você nunca viu. É como se de repente, não existisse mais lugar para você no mundo, puxaram o tapete e, junto com ele, foi tudo o que tinha sido estruturado, arrumado, empilhado.
Caminhei até a sala e meu sofá tinha mudado de cor, pelo menos eu não me lembrava de ter escolhido um tecido verde para forrar aqueles módulos de espuma. A janela estava coberta de plantas, folhas que eu nunca vi, que parece terem crescido ao longo da noite. Abri o vidro e entrou uma brisa empoeirada e um tufo de vento jogou folhas secas que estavam na rua para dentro de casa. Agora, é como se estivesse num edifício abandonado, destes que se vê no noticiário da noite, invadido por um bando de gente que não onde viver. Onde é que eu estou? Pela geladeira, fico com a impressão de estar na casa de alguém de regime, muito magro. Dois vidros de iogurte desnatado já fora de validade pendem da porta, junto com cinco maçãs meio passadas. Me espanto quando olho para o chão. Botaram um tapete azul celeste ali que eu nunca teria escolhido, com um bordado bem no meio, um coração explodindo.
Pelo frio fico achando que estou no Sul do país ou talvez esteja em pleno inverno de Londres, isso explicaria a névoa lá fora. Um frio forte. Não consigo fazer mais nada, volto pra cama. No caminho tropeço numa toalha embolada na porta do quarto. Recolho e sinto um cheiro tão familiar que lembro de tudo. A Juba, perdi a Juba. Fui levá-la para passear de noite e ela começou a correr de repente, correr, correr. No meio da calçada, sumiu na escuridão. Gritei, chorei, chamei, procurei em toda parte. Sumiu a minha vida.
Desculpe não ter botado data nesta carta, não sei que dia é hoje. Já estamos em agosto?
Até M.

sexta-feira, julho 16, 2004

Rio de Janeiro, 16 de julho de 2004


Querido F.,

Lygia Fagunde Telles, Paul Auster, Veríssimo, Michael Amis. Todos foram para Paraty na última semana. Portanto, eu fui também. E, desta vez, levei a Juba. Tenho de admitir que ando me sentindo meio solitária. Tudo bem, viajar por aí, sem ninguém para discutir, só você para decidir tudo, dá uma certa sensação de liberdade. Mas desta vez, quis companhia. E quando estava saindo de casa, ela me olhou com olhos de quem pedia para não ficar no hotal novamente. Concordei. Levei a pequena comigo.
Me hospedei numa pousada na estrada Paraty-Cunha. Posso dizer que a cidade andava lotada por conta da Flip. Mas é mentira, reservei com antecedência. É porque, por ali, os preços são muito mais baratos. É impressionante, mas é só cruzar a corrente que separa o Centro Histórico do resto de tudo que os preços despencam.
Minha pousada não aceitava cachorros. Mas Juba se comportou muito bem. Ficava escondida na bolsa quando eu entrava e saía do hotel. Aluguei uma bicicleta com cestinha e foi assim que nós duas íamos e voltávamos para o centro. Não é que todo mundo faz o mesmo. Descobri que os paratienses só andam de bike, como o meu sobrinho gosta de dizer. Encontrava senhoras, jovens, crianças, idosos, todos pedalando pelo caminho.
Numa dessas idas, eu e Juba nos deparamos com Chico Buarque. Tirei uma foto. Assim que revelar, te envio. Chico, quem diria, estava jogando futebol num campo perto da entrada da cidade. Fiquei horas olhando aquelas pernas correrem pelo gramado. Tá certo, não são lá pernas muito bonitas. Afinal, ele fez 60 (!) este ano. Mas são as pernas do Chico Buarque, ora bolas. Se fossem bonitas ninguém nem agüentava ficar olhando.
Amo Paraty! Paraty me irrita! Adoro o casario colorido, o clima do lugar (agora então, estava tudo fervilhando cultura, mimeógrafos rodando na praça, palestras com escritores, debates em bares), o grupo de teatro de bonecos, aquele jeitinho de Tiradentes com um mar enorme banhando... O problema é o calçamento pé-de-moleque. Lindo de olhar em fotos e postais, horrível de testar na prática. É que ele me obriga a andar sempre olhando para o chão e perdendo todas estas coisas boas que eu já citei. Andando pelo Centro Histórico, por exemplo, eu posso ter passado mais de dez vezes pelo Chico Buarque sem nem ter percebido. Estava olhando para os meus pés, decidindo o caminho a percorrer, para não me esborrachar no chão. Em Paraty, qualquer estrela de cinema pode andar tranqüila, sem ser reconhecida. Afinal, todos que passarem por ela vão estar com os olhos para baixo, procurando um caminho seguro em meio as pedras irregulares.
Entrei num bar e vi a Clarah Averbuck, aquela menina do bog que publicou um livro, falando. Não prestei muita atenão ao que dizia, curiosa que estava em desvendar sua personalidade naqueles pequenos minutos. Tem força, personalidade. Acho que vamos acompanhar ela crescer através dos livros que for publicando. É adolescente de alma. Mas, se tiver sorte, continua assim.
Tive que levantar rápido. Juba se mexia dentro da bolsa, estava apertada para ir no banheiro. Aliás, quantos amigos Juba não fez nas andanças por Paraty. Cidade cheia de cachorros aquela. Outra qualidade para acrescentar na minha lista.
Saudade da cidade. De ver a Lygia falando do seu amor por Dom Casmurro. Tive vontade de dizer: Eu também, Lygia. Eu tambem amo o Bentinho, a Capitu, o Escobar. De ver o Verissimo questionar o que é um clássico. A Coca-Cola não batizou a sua tradicional fórmula de classic? Então, eu também posso batizar meus escritores saborosos e inesquecíveis de meus clássicos. E de conhecer estes dois ingleses tão famosos, Martim Amis e Ian McEwan, que eu nunca tinha lido. Voltei com um exemplar de Amis debaixo do baço. Já digo se é bom.

Até...

quarta-feira, junho 30, 2004

Vassouras, 30 de junho de 2004


Querido F.,

Visitei a casa de Eufrásia Teixeira Leite. Até a adolescência, ela viveu numa chácara em Vassouras que hoje se transformou no museu Casa da Hera. Mas não foram os móveis trazidos da França, os papéis de parede, os vestidos e sapatos importados, ainda bem preservados, que me chamaram atenção. Nem mesmo a organização dos cômodos, que mostra bem como vivia uma família no século XIX, com as alcovas na entrada, para viajantes e convidados e o jardim interno (inovação na época!), para as mulheres apanharem sol protegidas dos olhares dos curiosos.
Gostei foi da história. Eufrásia era neta do Barão de Campo Belo e sobrinha do Barão de Vassouras e viveu no período em que o café trouxe poder e fortuna a donos de fazendas produtoras. Depois da adolescência, trocou Vassouras pelo agito do Rio e, quando os pais morreram, achou que aquilo era pouco e se mudou com a irmã para Paris, onde tudo parecia acontecer por aqueles anos.
Numa época em que as mulheres eram criadas para formarem famílias, Eufrásia não quis saber de se casar. Os maldosos vão dizer que ela era feia, que ninguém quis. Não achei não. Pela casa, havia pinturas aos 18 anos, aos vinte e poucos... Era interessante.
Se mudou para a França aos 23 anos (se seguisse a tendência da época, deveria ter se casado aos 15) e, na viagem, conheceu o abolicionista Joaquim Nabuco. Ficou noiva. Mas, por estes motivos da vida que só quem vive pode explicar com exatidão, não se casou. Investiu a fortuna do pai no mercado financeiro e, quando morreu, em 1930, aos 80 anos, sua fortuna equivalia a 10% do PIB brasileiro.
Eufrásia vai entrar na pesquisa. Aquela que eu comecei a fazer depois da aposentadoria, lembra?


Até...

segunda-feira, junho 21, 2004

Rio de Janeiro, 20 de junho de 2004


Querido F.,

Estava pensando hoje, enquanto tirava os sapatos e estendia os pés em cima da cama, que o tempo é relativo. Saí ontem de manhã de ônibus em direção a Vassouras. Volto hoje, um dia só fora e parece que fiquei uma semana longe da minha casa. Corri para regar as plantas, pensando que as pobres deviam estar secas e sem atenção. Depois, me lembrei que ontem mesmo eu pensei algo parecido e enchi os pratinhos até quase transbordarem. Ainda mato uma alagada.
Mas o motivo da sensação, foi a quantidade de coisas que fiz lá pelas terras dos antigos barões do café. Passei um fim de semana visitando fazendas.
Mergulhei na história, na do passado e na do presente. Isto porque, de uns anos para cá, os atuais proprietários de muitas destas lendárias fazendas resolveram receber o público em suas próprias casas. Você paga uma taxa, agenda tudo por telefone e é recebido pelo próprio dono da casa, de forma simpática, como se fosse um convidado numa tarde de festa. Alguns vêm caracterizados, com roupas de época.
Andando pelos cômodos, você vai vendo onde ficava a capela, a sala de jantar, as alcovas e o fulano desfia toda a história do barão sicrano, o primeiro dono daquele pedaço de chão. E vai explicando as modificações que fez naqueles palácios em estilo colonial (se é que isto existe), com uns vinte quartos, quatro salas e uma infinidade de janelas. Do lado de fora, você explora o terreno sozinho e vê onde ficava a senzala, o terreiro de café... Em muitos casos, há só ruínas para ver destas partes, o que, convenhamos, é ainda mais prazeroso. A imaginação vai juntando aquelas pedras todas, as que estão ali e as que já sumiram com o tempo, e você espia como era tudo, olha numa fresta para dentro do passado.
No fim do tour, na maioria das vezes, há um chá, do jeitinho que as senhoras costumavam fazer em mil oitocentos e bolinha. É, mas parece que até os dias de hoje, só a nós mesmo o programa tem um ar tentador. Só me deparei com senhoras durante o percurso e, apesar de ter ido sozinha, vi vans chegarem cheias delas.
Mas, vagando por ali, não consegui deixar de viajar um pouco na história dos donos de hoje também. Em como deve ser louco morar numa daquelas casas imensas, decoradas como no início do século retrasado. A cadeira de D. Pedro II, que já viu uns dois séculos virarem, parecendo estalar de nova. Limpa, linda, conservada. Me vi naqueles espaços também. Imaginei como ficaria a minha decoração, onde receberia os amigos para as reuniões de domingo, onde botaria meus livros e, em que cantinho, numa casa tão cheia deles, guardaria minha querida mala.
Numa das fazendas, a família inteira me esperava para a visita, o casal, o filho e a nora. Como é engraçado como, às vezes, o destino empurra a gente pra uma casa como aquela. A nora talvez gostasse da cidade, de ir ao cinema nos fins de tarde, de manter um blog na internet. Talvez tivesse passado a vida inteira morando num apartamento de dois quartos no meio da Nossa Senhora de Copacabana. Mas, por estas voltas que a vida dá, se casou com o filho de um fazendeiro e, por estas coisas que a gente faz sem saber muito bem o por quê, estava ali, vivendo na antiga fazenda do Barão de Vassouras.
Se isso tivesse acontecido comigo, o barão que me perdoasse, mas eu ia encher um canto do quarto com almofadões em tecido indiano, ia levar a Clarice, a Lygia e a Hilda Hilst para viver comigo lá dentro, nem que tivessem que, para não brigar com a decoração, serem encadernadas com capa de couro.
Caetano, Gil e os Mutantes iam ecoar naquelas paredes que tantos concertos e noites de piano já devem ter presenciado. E um carro, um fusca que fosse, ia ter que me esperar na garagem. Porque, neste caso, a família que me perdoasse, mas viagens virtuais não são o suficiente par mim.
E foi em Vassouras também, numa das visitas, que descobri um pouco da vida de Eufrásia Teixeira Leite. Mas esta história eu vou ter que deixar para depois. A chaleira está apitando na cozinha...

Até...

terça-feira, junho 08, 2004

Rio d Janeiro, 08 de junho de 2004


Qerido F.,


Ando querendo encontrar um lugar onde guardar a minha mala. Não aguento mais subir numa escada toda semana e puxá-la lá de cima do armário. Ando cansada. Não das viagens, mas de guardar e desguadar a tal da mala. Já pensei em deixá-la num cantinho, disfarçadinha que só, com uma plantinha displicente caindo por cima. Mala-estante. Outra idéia era fazê-la de mesinha de centro, com cinzeiro e livros por cima. Mala-mesa.
Descartei todas. Vamos dizer que ela não é tão pequena e nem tão bonita para ficar assim, aparente, fazendo parte da decoração. A solução é escondê-la embaixo da cama. Mas gostaria mesmo é que pudesse deixar a mala já no aeroporto, num armário só meu. Ou na casa de uma amiga com espaço de sobra para quinquilharias. Porque, assim que você desse do avião e vai para casa, ela vira um destes objetos enormes e sem função. Quero uma mala inflável. Depois de usar, esvazio e pronto, cabe numa gavetinha de mesa de cabeceira.

Até...

terça-feira, junho 01, 2004

Florianópolis, 01 de junho de 2004


Querido F.,


Não sei porque, mas o Sul do país sempre me atraiu. Acho que é porque eu tenho raízes por lá. Desde pequena eu ouço a minha avó contar histórias sobre a sua infância em Blumenau, as peripécias de uma jovem como ela pelas ruas e praças de Curitiba. Tenho que confessar que fiquei meio decepcionada quando pisei em Curitiba pela primeira vez. Não que a cidade não tenha atrativos. Lógico que tem. Mas eu imaginava outra coisa.
Hoje, depois de muitas idas e vindas, passei a descobrir os encantos de lá. Gosto principalmente da parte antiga do Centro e, é claro, me sinto atraída pelos lugares artísticos. Perto do relógio de flores tem um bequinho fofo com galerias de arte e lojas. Não me pergunte o nome, você sabe que não consigo guardar o nome das coisas. Mas agora ando melhorando, me obrigando a levar um micro bloquinho dentro da bolsa, para anotar tudo o que gosto. Comprei uma vez canecas e quadrinhos feitos com azulejos lindos por lá.
Mas isto tudo foi pra dizer que estou em Florianópolis.
Floripa. Não consigo evitar o apelido, tamanho é o meu carinho por aquela ilha.
De lá, talvez por coincidência, ou porque estou ficando velha também, gosto da parte antiga da cidade: Ribeirão da Ilha, onde dizem que Floripa começou. Tem um casario preservado numa ruazinha de pedra e uma praia calma, pequena, com uma faixa de areia estreita e muitos barquinhos estacionados. A desculpa para ir até Ribeirão são os restaurantes de ostras e mariscos. Há muitos ali. E, pelo menos os que conheço, servem tudo fresquinho e saboroso. Mas gosto de ir para simplesmente pisar num lugar onde parece que o tempo deu uma estacionada. Fiquei horas hoje por lá, sentada sozinha num destes restaurantes, Ostradamus, e vendo uma chuva forte lavar tudo do lado de fora,
Chovia. Mas a minha impressão era de que, ali, o vento tinha parado. O tempo estava estagnado. Passado, presente, tudo fica meio misturado. Não parece haver grandes diferenças e mudanças.
Ah, e as pessoas... As pessoas são outro grande atrativo da cidade. Gente simples. Tenho uma prima que morou anos na ilha e diz que a mentalidade do povo de lá era o que mais a deixava louca. Chegava a enervar. Por isso, a boba arrumou as malas e se mudou para o Rio. Diz que pensam estreito, são preconceituosos e quadrados.
Não sei. Não sei o que pensaria se morasse em Florianópolis. Mas, como turista, posso dizer que fico completamente encantada. Fui bem recebida em todos os lugares onde estive. Fiz perguntas idiotas e fui respondida com simpatia. Me meti na vida dos outros mesmo, querendo saber detalhes de suas rotinas de suas histórias. Fui atendida todas as vezes. E uma perguntinha assim, bobinha, pequena, simples, virava um papo enorme, de horas. Gente simpática.
Não encontrei porta fechada também. Explicava que estava de passagem, que tinha pouco tempo, que não podia voltar depois, e deixavam eu olhar o lugar, apreciar pelo menos um pouquinho. Aconteceu assim no Casarão da Lagoa, onde há oficinas de renda, biblioteca e exposição de arte. Aconteceu na igrejinha de Ribeirão e no moderno antiquário-bar-restaurante-galpão de restauração de móveis que abriram por lá. Isto, aliás, anda cada vez mais comum. Lugares com a cara de São Paulo e do Rio de Janeiro, no meio de Florianópolis. Acho bom, pelo menos por enquanto. A paisagem é paradisíaca, praias maravilhosas, a bela Lagoa da Conceição, a gente simpática, e os lugares antenados que fazem você se sentir, de alguma forma, conectado com o resto do mundo.
O Centro de Floripa é outro passeio gostoso. Meio tumultuado, lembrando o Centro do Rio também, com uma multidão caminhando por ruas estreitas. Mas por lá ficam os prédios históricos. E o Mercado Público, com sua falta de ordem, grãos, artigos de cozinha, bares, artesanato, objetos dos mais diferentes tipos, dos mais vagabundos aos interessantes, todos convivendo junto. Lembra um pouco as praças da Espanha, cercada por um antigo edifício. Há muitas em Madrid. Outras tantas em Bilbao.
Ai, Floripa...

Até...
Rio de janeiro, 28 de maio de 2004

Querido F.,

Sou uma andarilha. Não adianta. Podem dizer que o lugar e distante, que eu vou ficar cansada. Nao tem jeito. Se for possivel ir a pé, eu vou. E nao tenho medo nenhum de me cansar. Se isto acontecer, pego um taxi, um onibus, o metro, ora bolas.
Uma vez, numa viagem para Londres, peguei emprestado de uma amiga um guia da cidade. No fim, havia um mapa com o centro da capital inglesa. Os bairros divididos por cor. Sentia felicidade em ver que eu cruzava os quadrados mostrando as divisões a pe. Mostrava para outra amiga, orgulhosa, o percurso que tinha cumprido ao final de um dia. Em uma semana ja conhecia tudinho, todas aquelas areas. So assim eu consigo me virar num lugar. Se pego um ônibus, fico perdida. Não entendo a cidade, não consigo me situar pelas ruas.
E a verdade e que eu acho que so conheço uma cidade assim, andando.
Gosto de passear e ficar observando as pessoas na rua, o jeito de se vestirem. Admito que estico ate o pescoço quando passo na frente de uma fresta de porta ou janela abertas. Gosto de ver la dentro, quero saber como vivem, o que fazem, me colocar um pouquinho no lugar daquele individuo, saber como seria a vida na pele daquela pessoa. Meu jeito.
Andando por Londres descobri que, la, do outro lado, as pessoas são como aqui. Ja sabia, mas gosto de constatar assim, ao vivo. Se vestem igual, se portam muito parecido. Aquela historia de cabelo azul, cortes loucos. Não achei nada. Nada do que uma jovem da zona sul não usaria. Nada do que o Romulo do cabeleireiro Rush Rush não esculpisse na cabeça dos modernos daqui. E a globalização, não é?

Ai, que saudade dos acentos e pontos no lugar certo. Sumiram deste teclado.

Ate...

segunda-feira, abril 26, 2004

Galeão (para mim, ainda não é Rio. Um lugar perdido entre um destino e outro), 26 de abril de 2004

Querido, F.


Não aguento mais procurar a minha mala na esteira de bagagens. Na última viagem que fiz, logo entre as primeiras malas que passavam, estava uma com estampa de safari, zebras e girafas passeando num fundo bege. Vi várias pessoas apontando para ela, comentando, rindo. Tenho que admitir: era cafona mesmo. Mas senti inveja mesmo assim. Tenho certeza de que a dona reconheceu sua mala de longe e puxou sem sobressaltos, quando esta passou na sua frente. Não vi a cena. Estava ocupada lendo discretamente a etiqueta com o nome de todas as malas pretas que desfilavam por ali.
Já tentei decorar as listrinhas cinzas da minha, dispostas pela lateral. Não adianta. Jogada numa esteira, junto com dezenas de malas pretas, ela fica igual a todas as outras.
Numa outra ocasião, voltando de Salvador, amarrei uma fitinha do Senhor do Bonfim na alça. Acho que ninguém sabia o que fazer com aqueles bolos de fitinhas que você recebe numa única semana por lá. Foram todas parar em alças de malas de viagem. Quando cheguei à esteira, feliz da vida e despreocupada, vi fitinhas do Senhor do Bonfim decorando a maioria delas.
Depois de nove, dez horas dentro de um avião, tudo o que uma pessoa pode desejar é uma mala com estampa de safari.

Até...