Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

terça-feira, março 21, 2006

Terezinha...

Querido F.,
Tem tempo. É... bastante tempo. Mas sempre me lembro desta história. Hoje, me veio de novo, enquanto a televisão mostrava um filme choroso na sessão da tarde. Foi durante uma festa de casamento em Paraty. As madrinhas saindo da igreja com os sapatos na mão, porque nenhuma tinha levado muito a sério esta história de calçamento em pé-de-moleque e todas tinham teimado que conseguiam se equilibrar em saltos, mesmo com o alto e baixo das pedras. E fomos todos para um restaurante, sem os sapatos mesmo, porque ninguém ligou de calçar os saltos depois, quando os pés já pisavam em tábuas de madeira.
Uma bandinha tocava músicas alegres e pratos saíam da cozinha para as mesas, com uma fumacinha de quentura em cima de cada um deles. Fiquei debruçada pela janela, olhando espantada para aquela cidade que parecia cenário de novela. Uma corrente separava uma teia de ruas de terra batida e casas sem graça, de um trecho com casario antigo e preservado, chão ondulado de pedrinhas e cheiro de mar pelos cantos. Sinhá Moça poderia bem virar uma esquina daquelas, mas quem me encarava era um senhor arrumado, de seus mais de setenta, parado na rua, de frente pra festa.
- O que tá acontecendo aí dentro? Moro aqui na cidade... Fiquei querendo saber o que era...
- É um casamento. Da Rose e do César.
E a resposta não pareceu suficiente, porque o olhar continuou em mim. E achei que ele queria era saber quem era a Rose e como ela e o César tinham se conhecido e alguma coisa assim, mas só depois notei que a comemoração lá dentro não era o motivo, mas o pretexto.
- Você se parece muito com uma ex-namorada minha: a Terezinha... foi o amor da minha vida....Se tivesse a sua idade, ia querer namorar você.
E as mãos enrugadas tocaram as minhas. E ele sorriu. Disse que era bonito o que via e foi embora. Ri de volta, achei engraçado, aliás, engraçadíssimo. Comentei com os presentes. Mas por dentro me perguntava porque afinal de contas ele tinha deixado a Terezinha ir embora. Não era o tal amor da vida dele?
E até hoje encasqueto nesta cena. E me pergunto se é só depois, lá pelo fim da vida, que descobrimos quem foi o tal do amor importante? E fico achando que, se é que ele existe (e logo decido tirar o se da frase, porque deve mesmo existir. Talvez não O, mas UM importante), muita gente deve ter deixado ele passar. Num surto de racionalidade, de emoções pensadas, motivos pesados, deixar a pessoa se perder pela vida, contando que talvez o futuro pudesse juntar novamente. E fico pensando que talvez o tal do amor não tenha nada a ver com uma história comprida, mas com um sentimento forte, que a gente fingiu que não viu e seguiu adiante, achando que era o certo a fazer no momento. E que isso não tem nada a ver com pessoas casadas e romantismo em excesso também, mas com histórias que precisavam ser vividas e foram deixadas pra trás.
E, hoje, tantos e tantos anos depois, no meio das lágrimas por causa de um filme bobo e sem graça, lá estava eu neste caso novamente. Terezinha. Olhei pra trás e fiquei tentando achar o meu no meio de tantas histórias vividas. Não consegui. Ou fingi que não vi mais uma vez. Talvez ainda precise de mais alguns anos. Talvez, talvez, talvez...

Até,
M.