Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

quarta-feira, outubro 04, 2006

Ester me convidou...

Eu não tinha como dizer não. Ester me ligou na sexta de tarde e foi ditando o endereço por telefone.

_ É na Glória. Na mesma rua da Termas Rio. Mas avisa ao taxista que o bar fica na esquina da via da Termas com outra pequenininha, paralela àquela dos travestis!

E o endereço veio assim, sem nenhum nome de rua, mas cheio de indicações inconfundíveis, inesquecíveis. E, enquanto ela falava, eu ficava pensando o que afinal de contas a Ester ia fazer lá. Ester. Aquela que aluga uma van toda vez que o Miguel Falabella estréia peça nova no Shopping da Gávea. Lembra? Pois, então. Fui. Com todas as direções na cabeça e um papelzinho com o nome do bar escrito em caneta Bic azul royal: Beco do Rato.

Confesso que tive vergonha do motorista. Não sou uma senhora tão moderna assim. E, antes de sair despejando as diretrizes, falei que ia a um samba num barzinho. Que era convite de uma amiga antiga e querida. E, mal as palavras saíram da boca, senti mais vergonha ainda de ter dado explicações. Não dava mais pra engoli-las de volta. Já tinham ido.

Foi fácil de achar. Dizem que o lugar tá famoso. Que nas quintas de noite vira cinema, com tela ao ar livre. Mas eu, que (repito) não sou moderna, desconhecia. No dia em que fui não tinha cinema. Era carnaval. As pessoas lotavam a rua e um monte de mesinhas, decoradas com garrafas de cerveja, completavam o espaço. Num cantinho, na frente de uma parede com pôsteres de uma seleção brasileira das antigas, um grupo tocava samba. E foi bonito de ver. Pelé comemorava um gol lá atrás, na foto de um cartaz, com Garrincha ao fundo correndo pro abraço, e todo mundo cantava e acompanhava a música com palmas. Cada letra triste que só, mas o ritmo era alegre e enquanto o cantor ia desfiando amarguras, amores não concretizados, paixões interrompidas, a gente ria e dançava.

Juro que sambei. Sem quase mexer os pés, se isso é possível. Rebolando desengonçada. Esquecida de quem quer que estivesse à volta. Ester era só sorrisos. Está namorando um compositor agora, ou coisa parecida, mas me fez jurar que não contava a história pra ninguém. Calo, portanto.

Lá pelas tantas, vi uma menina cheia de piercings e cabelo picotado. Na blusa preta, uma estampa com o cartaz do filme Jules e Jim. Os três personagens correndo sorridentes. Em cima da foto uma frase dizia que nada é perfeito e outra completava com um nada é eterno. Depois de três copos de cerveja (tá... Tá certo. Talvez um pouco mais) achei que fazia todo sentido. Que era assim mesmo. E era bonito que fosse.

Fui embora prometendo voltar. No dia seguinte, contei a história pro Zé, meu porteiro. Ele ouviu desconfiado, analisando minha figura em pé, segurando a coleira da Juma com a pontinha dos dedos. Disse que ia. Que um dia pisava por lá. Mas deve ter achado que a idade, enfim, anda fazendo efeito por aqui. Quem sabe? Talvez esteja.
Até,
M.