Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

segunda-feira, agosto 14, 2006

eu queria uma máquina fotográfica

Querido F.,

Por mais que quisesse, não conseguia ficar sozinha em Paraty. Na sexta de noite, encontrei Ester. Ela me viu de longe e veio de braços abertos por quase um quarteirão me encontrar. Como resistir?
_ Magnólia, quanto tempo? Te vi ontem passando e agora na Praça sozinha. Você veio só? Nada disso! Trate de se juntar a nós.
E me chamou para jantar com um grupo grande: dois casais de São Paulo, um namorado fotógrafo e uma penca de filhos. Tantos que não consegui fazer a ligação dos jovens com os adultos. Foi agradável. Vinho, boa comida e conversa idem. Mas, quando acabou, senti alívio em me ver só novamente.
A verdade é que gosto desta sensação de estar comigo quando viajo. De sentar numa daquelas mesinhas que eles montam no meio da rua e ficar observando as pessoas, o jeito de andar de cada um, como seguram as mãos uns dos outros. Fico feliz em ver que as minhas estão soltas.
E o ambiente é sempre tão cheio de detalhes, que chamam a minha atenção e me prendem por longos minutos, horas até. No sábado de tarde, sentei numa creperia e me peguei vendo as flores que crescem junto ao muro das casas. Nunca tinha notado. Coloridas, delicadas, nascendo do chão de pedras. Queria uma máquina fotográfica para registrar o momento. Mas sempre esqueço. E fiz força com os olhos pra fixar o enquadramento. Fiquei olhando fixo, até a vista ficar embaçada. Não queira esquecer aquela imagem.
E Paraty ainda é cheia daqueles caroços que cobrem todo o centro histórico. Com um grupo de amigos, em plena Flip, me sentiria exausta. Uma série de palestras, apresentações pelas ruas e uma cidade que exige o seu olhar a todo instante. Não é daquelas de asfalto lisinho. Você passa serelepe, sem nem se tocar por onde anda. É preciso prestar atenção. Um calçamento que freia os meus passos e me obriga a seguir o ritmo da cidade, a sua moda. Querer correr por suas ruas é o mesmo que passar a viagem com os joelhos ralados. Os saltos que insistem em pisar por ali quebram longo nas primeiras voltas. Por lá, os sapatos são baixos, as pessoas precisam andar lento e prestar atenção por onde pisam. Como dividir isso tudo com mais um grupo de amigos? É demais para uma senhora da minha idade!

Comprei muitos ingressos, assisti a nove palestras. O bom é que sempre descubro escritores. Nomes que vejo nos suplementos literários, nas estantes das livrarias, mas nunca leio. Por ali, os autores se revezam, lendo trechos de seus livros e falando sobre suas obras. Meu impulso é sair dos debates e ir direto comprar um exemplar. Acho sempre que devem ser ótimos. Mas o orçamento me freia e eu só anoto os nomes num caderninho que depois, eu sei, vou largar numa gaveta. Desta vez, tinham alguns tão jovens, tão talentosos, falando de recantos que eu só leio no jornal, vejo na Internet, sei que existem e só. E eles lá, com tão pouca idade e querendo descobrir o mundo. E eu, com tanta coisa aqui dentro que, mesmo idosa, ainda não consegui olhar pra fora...
Até,
M.