Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

sexta-feira, julho 16, 2004

Rio de Janeiro, 16 de julho de 2004


Querido F.,

Lygia Fagunde Telles, Paul Auster, Veríssimo, Michael Amis. Todos foram para Paraty na última semana. Portanto, eu fui também. E, desta vez, levei a Juba. Tenho de admitir que ando me sentindo meio solitária. Tudo bem, viajar por aí, sem ninguém para discutir, só você para decidir tudo, dá uma certa sensação de liberdade. Mas desta vez, quis companhia. E quando estava saindo de casa, ela me olhou com olhos de quem pedia para não ficar no hotal novamente. Concordei. Levei a pequena comigo.
Me hospedei numa pousada na estrada Paraty-Cunha. Posso dizer que a cidade andava lotada por conta da Flip. Mas é mentira, reservei com antecedência. É porque, por ali, os preços são muito mais baratos. É impressionante, mas é só cruzar a corrente que separa o Centro Histórico do resto de tudo que os preços despencam.
Minha pousada não aceitava cachorros. Mas Juba se comportou muito bem. Ficava escondida na bolsa quando eu entrava e saía do hotel. Aluguei uma bicicleta com cestinha e foi assim que nós duas íamos e voltávamos para o centro. Não é que todo mundo faz o mesmo. Descobri que os paratienses só andam de bike, como o meu sobrinho gosta de dizer. Encontrava senhoras, jovens, crianças, idosos, todos pedalando pelo caminho.
Numa dessas idas, eu e Juba nos deparamos com Chico Buarque. Tirei uma foto. Assim que revelar, te envio. Chico, quem diria, estava jogando futebol num campo perto da entrada da cidade. Fiquei horas olhando aquelas pernas correrem pelo gramado. Tá certo, não são lá pernas muito bonitas. Afinal, ele fez 60 (!) este ano. Mas são as pernas do Chico Buarque, ora bolas. Se fossem bonitas ninguém nem agüentava ficar olhando.
Amo Paraty! Paraty me irrita! Adoro o casario colorido, o clima do lugar (agora então, estava tudo fervilhando cultura, mimeógrafos rodando na praça, palestras com escritores, debates em bares), o grupo de teatro de bonecos, aquele jeitinho de Tiradentes com um mar enorme banhando... O problema é o calçamento pé-de-moleque. Lindo de olhar em fotos e postais, horrível de testar na prática. É que ele me obriga a andar sempre olhando para o chão e perdendo todas estas coisas boas que eu já citei. Andando pelo Centro Histórico, por exemplo, eu posso ter passado mais de dez vezes pelo Chico Buarque sem nem ter percebido. Estava olhando para os meus pés, decidindo o caminho a percorrer, para não me esborrachar no chão. Em Paraty, qualquer estrela de cinema pode andar tranqüila, sem ser reconhecida. Afinal, todos que passarem por ela vão estar com os olhos para baixo, procurando um caminho seguro em meio as pedras irregulares.
Entrei num bar e vi a Clarah Averbuck, aquela menina do bog que publicou um livro, falando. Não prestei muita atenão ao que dizia, curiosa que estava em desvendar sua personalidade naqueles pequenos minutos. Tem força, personalidade. Acho que vamos acompanhar ela crescer através dos livros que for publicando. É adolescente de alma. Mas, se tiver sorte, continua assim.
Tive que levantar rápido. Juba se mexia dentro da bolsa, estava apertada para ir no banheiro. Aliás, quantos amigos Juba não fez nas andanças por Paraty. Cidade cheia de cachorros aquela. Outra qualidade para acrescentar na minha lista.
Saudade da cidade. De ver a Lygia falando do seu amor por Dom Casmurro. Tive vontade de dizer: Eu também, Lygia. Eu tambem amo o Bentinho, a Capitu, o Escobar. De ver o Verissimo questionar o que é um clássico. A Coca-Cola não batizou a sua tradicional fórmula de classic? Então, eu também posso batizar meus escritores saborosos e inesquecíveis de meus clássicos. E de conhecer estes dois ingleses tão famosos, Martim Amis e Ian McEwan, que eu nunca tinha lido. Voltei com um exemplar de Amis debaixo do baço. Já digo se é bom.

Até...