Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

quinta-feira, março 08, 2007

vestígios...

já era de se esperar. Eu sei. mas sempre me espanto. Sílvia ligou aqui pra casa ontem de noite, quase madrugada. O telefone tocou e fui até lá com as chinelas ansiosas. Morreu o Oswaldinho, que estudou com a gente em Petrópolis. Lembro que na minha festa de quinze anos ele me tirou pra dançar e tinha um sorriso que sempre, insisto, sempre, acabava em gargalhada e ia contagiando as pessoas em volta. Era pequeno e magro e doce. E mesmo sem vê-lo há anos, senti sua falta e me deu uma saudade funda. Envelhecer é ver a morte chegando aos poucos, fazendo um cerco, transformando tudo em lembrança, história e, um dia, cada vez mais próximo, vai chegar até aqui. Eu sei. Mas mesmo assim me espanto.
Acordei e fui ligar pra Lúcia. Não há nada para ser dito, mas, mesmo assim, é preciso dizer alguma coisa. O telefone tocou, tocou e a voz que atendeu, se desculpando da ausência e pedindo para que deixassem recado, era a de Oswaldinho e, sem saber porque, achei constrangedor. A pessoa some, mas não tudo. Uma voz na secretária eletrônica, o número do telefone celular nas nossas agendas (e o que afinal a Lúcia vai fazer com o aparelho?), o nome em sites da internet, as contas, as roupas... vestígios... E o nosso impulso é virar o rosto. Você liga pra casa da Lúcia, atende o Oswaldinho e na mesma hora sobe um frio na espinha e uma vontade de desligar o telefone correndo, como se por ali pudesse subir algum tipo de contágio. Quem vai sair apagando estes traços? Quanto tempo demora pro nome do morto sumir de uma pesquisa no google?
E fui no velório, de preto, lenço guardado na bolsa. E quando eu vi a Lúcia, chorei. Reconheci alguns rostos de Petrópolis também. Um grupo cada vez menor. E conforme as pessoas iam chegando as lágrimas iam pulando e encharcando o lenço inteiro e descendo pelo rosto descontroladas. Depois, já em casa, fiquei horas olhando pela janela, vendo o movimento da rua. As pessoas passando, os carros passando, um movimento que eu quase posso jurar que não vai para nunca. Mas eu sei...