Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

segunda-feira, junho 21, 2004

Rio de Janeiro, 20 de junho de 2004


Querido F.,

Estava pensando hoje, enquanto tirava os sapatos e estendia os pés em cima da cama, que o tempo é relativo. Saí ontem de manhã de ônibus em direção a Vassouras. Volto hoje, um dia só fora e parece que fiquei uma semana longe da minha casa. Corri para regar as plantas, pensando que as pobres deviam estar secas e sem atenção. Depois, me lembrei que ontem mesmo eu pensei algo parecido e enchi os pratinhos até quase transbordarem. Ainda mato uma alagada.
Mas o motivo da sensação, foi a quantidade de coisas que fiz lá pelas terras dos antigos barões do café. Passei um fim de semana visitando fazendas.
Mergulhei na história, na do passado e na do presente. Isto porque, de uns anos para cá, os atuais proprietários de muitas destas lendárias fazendas resolveram receber o público em suas próprias casas. Você paga uma taxa, agenda tudo por telefone e é recebido pelo próprio dono da casa, de forma simpática, como se fosse um convidado numa tarde de festa. Alguns vêm caracterizados, com roupas de época.
Andando pelos cômodos, você vai vendo onde ficava a capela, a sala de jantar, as alcovas e o fulano desfia toda a história do barão sicrano, o primeiro dono daquele pedaço de chão. E vai explicando as modificações que fez naqueles palácios em estilo colonial (se é que isto existe), com uns vinte quartos, quatro salas e uma infinidade de janelas. Do lado de fora, você explora o terreno sozinho e vê onde ficava a senzala, o terreiro de café... Em muitos casos, há só ruínas para ver destas partes, o que, convenhamos, é ainda mais prazeroso. A imaginação vai juntando aquelas pedras todas, as que estão ali e as que já sumiram com o tempo, e você espia como era tudo, olha numa fresta para dentro do passado.
No fim do tour, na maioria das vezes, há um chá, do jeitinho que as senhoras costumavam fazer em mil oitocentos e bolinha. É, mas parece que até os dias de hoje, só a nós mesmo o programa tem um ar tentador. Só me deparei com senhoras durante o percurso e, apesar de ter ido sozinha, vi vans chegarem cheias delas.
Mas, vagando por ali, não consegui deixar de viajar um pouco na história dos donos de hoje também. Em como deve ser louco morar numa daquelas casas imensas, decoradas como no início do século retrasado. A cadeira de D. Pedro II, que já viu uns dois séculos virarem, parecendo estalar de nova. Limpa, linda, conservada. Me vi naqueles espaços também. Imaginei como ficaria a minha decoração, onde receberia os amigos para as reuniões de domingo, onde botaria meus livros e, em que cantinho, numa casa tão cheia deles, guardaria minha querida mala.
Numa das fazendas, a família inteira me esperava para a visita, o casal, o filho e a nora. Como é engraçado como, às vezes, o destino empurra a gente pra uma casa como aquela. A nora talvez gostasse da cidade, de ir ao cinema nos fins de tarde, de manter um blog na internet. Talvez tivesse passado a vida inteira morando num apartamento de dois quartos no meio da Nossa Senhora de Copacabana. Mas, por estas voltas que a vida dá, se casou com o filho de um fazendeiro e, por estas coisas que a gente faz sem saber muito bem o por quê, estava ali, vivendo na antiga fazenda do Barão de Vassouras.
Se isso tivesse acontecido comigo, o barão que me perdoasse, mas eu ia encher um canto do quarto com almofadões em tecido indiano, ia levar a Clarice, a Lygia e a Hilda Hilst para viver comigo lá dentro, nem que tivessem que, para não brigar com a decoração, serem encadernadas com capa de couro.
Caetano, Gil e os Mutantes iam ecoar naquelas paredes que tantos concertos e noites de piano já devem ter presenciado. E um carro, um fusca que fosse, ia ter que me esperar na garagem. Porque, neste caso, a família que me perdoasse, mas viagens virtuais não são o suficiente par mim.
E foi em Vassouras também, numa das visitas, que descobri um pouco da vida de Eufrásia Teixeira Leite. Mas esta história eu vou ter que deixar para depois. A chaleira está apitando na cozinha...

Até...