Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

segunda-feira, novembro 21, 2005

Querido F.,

Na semana passada, assisti ao filme "Cinema aspirinas e urubus". É a história de um alemão que vai para o interior do Brasil vender aspirinas, um novo e milagroso medicamento, fugir de uma guerra que tomou conta do seu país e que ele quer esquecer que existe. E de um nordestino, Ranulpho (adorei este nome! Juma corre o risco de ganhar um irmãozinho chamado Ranulph no futuro!), que quer fugir da seca e sonha com um futuro melhor no Rio.
E me lembrei das tantas e tantas vezes em que eu arrumei as malas e saí rodando por aí. Fugindo de mim mesma, dos fracassos da vida, das cobranças, dos planos e sonhos que tinha medo de encarar. E em cada lugar que passava, em cada pessoa que conhecia, vislumbrava um futuro possível, uma história diferente que eu podia, se quisesse, escrever para mim.
E quando começava a chover num lugar, arrumava as malas e ia pra outro. E quando chegava um grupo interessante num dia, cancelava a ida e ficava mais um pouquinho. E, às vezes, acontecia de acordar e, por alguns segundos, não me lembrar da cidade onde estava. Mas a confusão era coisa rápida.
Sempre fui alguém de passagem. Porque, se ficasse, a vida simples e fácil, ganharia problemas. O bom era ver, conhecer, ir embora. Como quem vê a paisagem da janela de um ônibus. Saudades deste tempo...
Hoje a Juma, de pirraça, roeu toda a minha cortina do banheiro. Se estivesse viajando, seria a cortina de um hotel de beira de estrada. Eu virava às costas, ia embora, e deixava o rombo para o próximo hóspede.
Até,
M.