Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

domingo, agosto 29, 2004

Querido F.,

Estou há quase uma semana aqui em Orlando e a única coisa que posso dizer é que... não aguento mais. Já comprei um chapéu com as orelhinhas do Mickey, bichos de pelúcia nas muitas lojinhas dos parques (não tenho idéia de onde vou colocá-los depois, mas simplesmente parece impossível deixar de comprá-los) e, sim, preciso confessar, no início parecia uma crinça vibrando em montanhas-russas, tirando fotos dos bichos de pertinho no Bush Gardens e mergulhando com os golfinhos no Paradise Island. A sorte foi ter viajado sozinha. Isso evitou que alguém visse cenas ridículas potagonizadas por mim. No Paradise Island, por exemplo, um parque cheio de lagos, onde você pode mergular junto com os peixes e passar a mão em arraias e golfinhos, cada visitante recebe uma macacão de calça e camisa curtas, justinho ao corpo, além de máscara e snorkel. Me espantei quando vi minha imagem refletida num vidro. Minha aparência se aproximava muito a de uma meninnha de uns seis anos, exatamente ao meu lado. Cabelos molhados e descabelados, máscara na mão, ligando a mínima para os pneuzinhos que apareciam desenhados no macacão. É, eles conseguiram me fazer voltar à infância. Quase saí correndo entre os lagos, segurando as pernas com a mão e dando um pulo na água, BOMBA, para molhar todos em volta. Bem, mas nem que eu tivesse seis anos, poderia fazer isso. Porque os americanos são todos cheios de normas, cuidados, leis. Tem o comportamento todo controlado. E era só olhar com mais atenção para o lado para ver que a água dos lagos tinha um gosto insuportável, salgada artificialmente, com temperatura, PH e tudo mais controlado. A vegetação era um jardim planejado por algum paisagista e o ambiente imitava pedra, imitava grama, imitava areia. Estou agoniada com tudo aqui. Tudo à minha volta finge ser alguma coisa.
Ontem senti um certo alívio. Fui visitar um lugar chamado Ybor City, em Tampa. É um bairro histórico. Eu não sabia, mas muitos cubanos se instalaram nesta localidade no início do século passado e a região chegou a ser um pólo de fabricação de charutos. Hoje ainda é possível comprar charutos feitos lá, mas as fábricas fecharam quase todas. Os prédios, porém, ainda estão de pé, feitos de tijolos de verdade, maçicos, com os enormes janelões para iluminar o ambiente. Tem museu, com aposentados dando explicações sobre a história local, e dá para fazer um passeio a pé (coisa rara nos Estados Unidos) com guia, dando uma volta por todo o bairro. Um alívio... Tudo ali existiu de verdade e tem uma história para contar. Me senti, pelo menos um pouquinho, conectada com o mundo.
Bem, ainda faltam três dias. Mando notícias.

Até.
M.