O céu ficou dourado, azul, cinza. Já tirei casacos do armário, arrumei os maiôs enrolados na gaveta. Tirei todos de novo, comprei novas cangas e guardei o suéter de volta na estante perto do teto. Chegaram cartas. Li algumas, outras eu joguei fora. Desinfetaram o prédio, fiz faxina no apartamento, mas hoje de manhã encontrei uma baratinha francesa subindo pela parede da cozinha. Num dia, achei que precisava sair e apanhar sol. No outro, corri para dentro de casa e me refugiei num bolo de edredon perfumado.
Na porta ao lado, a vizinha sumiu e eu cansei de colar a orelha na parede cada vez que ouvia o trinco da fechadura dando voltas. O namorado famoso não inspira mais matérias nos jornais e os repórteres que subiam as escadas do prédio parecem ter se mudado pra outra parte, pra outra vida, pra outra história. Mas o porteiro fala que os bilhetes ainda chegam. Cartas endereçadas a ela ou a ele. Envelopes vezes com a letra redonda que a moça fazia com lápis, vezes com a dura fôrma de imprensa que ele reforçava com caneta Bic preta. De alguma forma, a vida continua.