Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

sábado, setembro 22, 2007

Variações sobre o mesmo tema


Comentei com a Sheila a minha campanha e eu tenho a impressão de que ela deixou escapar a história para o Seu Zé, meu porteiro, porque, de repente, passei a receber bolos e bolos de bilhetes e cartas de pretendentes, de pessoas que não me conhecem, que nunca viram o meu rosto. Imagino que devem ter achado a história engraçada, curiosa, e resolveram participar, mandando não apenas suas próprias intenções, mas enviando fotos de pais, tios e avôs (avôs? Quanta audácia!).

Num mural na cozinha prego enfileiradas as fotos que recebo. Outro dia descobri porque ninguém parecia se destacar naquele painel e, apesar do número sempre maior, ele ia ficando cada vez mais homogêneo. Notei que 80% dos homens vestiam terno na fotografia! Com gravata e tudo. Mas por que será que eles acham necessário o traje? Será que passa idéia de seriedade? Em mim, o efeito é este mesmo que falei: me parecem todos iguais, de uniforme, um painel composto de dezenas de fotos da mesma pessoa.

- Magnólia, mas que quantidade, hein? Já encontrou algum pessoalmente? – Me perguntou a Sheila, no chá que tomamos ontem aqui em casa.

- Não... Tudo tão parecido, não é? Cabelo grisalho, terno escuro, gravata... Acho que vou escolher pelo cachorro. Por enquanto, nada adequado. Só pastor alemão, rotweiller, pitbull. Imagina?

- A Juma não tem estirpe! Vira-latas. Tem que aceitar qualquer um.

- Mas como qualquer um? Para ficar com qualquer um eu deixo o rádio ligado na sala sintonizado na CBN. Pronto. Gente falando comigo o dia todo. E compro um bicho de pelúcia pra ela que fale au-au. Cada uma que você tem, Sheila. Onde já se viu?
E ela ficou encantada com uma figura de terno cinza e gravata abóbora. Cara de estrangeiro. Olho azul piscina.

- Mas que graça este! Cristian. – e consertou rápido, meio envergonhada - Ou será Christiãn? Ou Christian, com sotaque americano?

E notei que temos esta mania estranha da busca pela pronuncia perfeita. Na França me chamariam de Magnoliá sem culpas. Na Inglaterra, de Megnôlia. E aqui, esta vergonha do sotaque do português impresso no nome. Bem, mas por via das dúvidas, tirei o Christian da lista. Sheila levou a foto embora quando foi pra casa. Talvez ela ligue.

domingo, setembro 02, 2007

Procura-se um amor que tenha um cachorro

Comecei a campanha hoje de tarde e a Juma já está interessada em um dos pretendentes. A história toda veio meio de repente. Acordei e fazia frio aqui em casa. Olhei para o despertador e ainda estava cedo, muito cedo, e a vontade de dormir mais um pouco brigava com o arrepio que subia pelo braço. Gelado. Me senti ainda criança, em Petrópolis, presa na cama pelas cobertas, enquanto o despertador gritava, chamando para a escola. E pensei que seria bom se tivesse alguém do lado pra buscar no armário do corredor mais uma manta para aquecer a cama.

Depois, veio o café da manhã. Sem querer, arrumei a mesa com duas xícaras e fui botando tudo aos pares ao lado: duas facas, dois garfos, dois pirezinhos. Meio envergonhada, espantada com a iniciativa de meus próprios braços, guardei a sobra de volta na despensa. O relógio andou mais um pouco e passei a achar a casa grande e fiquei horas discutindo com a Juma uma notícia que tinha lido no jornal. Depois disso tudo, senti que estava na hora de preencher a casa com mais uma pessoa.

Resolvi iniciar a busca olhando pela janela mesmo e vi logo, na banca de jornais, um senhor muito do bem apessoado. Já tinha encontrado com ele pela vizinhança. Agora, estava de blusa quadriculada, daquelas de botãozinho (não gosto muito do modelo, mas não posso começar assim já tão exigente), calça comprida e um tênis branco (acho que era tênis. Com a distância, não consegui ver os detalhes direito). Mas o rosto era simpático que só vendo. Gostei.

Decidi que ia descer também, comprar uma revista na banca ou algo assim. Olhei para ele de novo. O que poderia causar boa impressão? Veja, Marie Clarie, Uma? Talvez fosse melhor comprar uma Caras mesmo e deixar de fazer tipo. E quando já ia pegar a bolsa para descer, vi a Juma. Me olhava de esguelha sem se mexer, mas entendi tudo no mesmo momento. Se sentia sozinha também. Foi quando decidi: o pretendente precisa ter um cachorro!
Voltei para a janela e a Juma, animada, se aninhou logo ao meu lado, com o focinho colado no vidro. O primeiro poodle que passou pela rua ela já abanou o rabo e olhou para mim com aprovação.

- Este não, Juma. Um menino! Um menino! Não seja afobada. Temos tempo. Logo aparece outro.