Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

sábado, março 11, 2006

Alguma coisa acontece...

Querido F.,
Meu vizinho assina o Estado de São Paulo. A família deve estar viajando, porque a pilha aumenta cada vez mais ao longo da semana. Tenho pena. Desperdício aquele monte de informação amontoada, pronta para ser jogada fora. Não acredito que alguém chegue disposto a ler aquela montoeira toda depois de uma semana de férias onde quer que seja. Então, resolvi pegar um exemplar ou outro para dar uma espiada. Coisa rápida. Depois eu coloco tudo de volta naquela torre de papel. Foi assim que me deparei com um encarte inteiro dedicado à Bienal do Livro de São Paulo.
Não gosto muito de bienais. Elas servem pra você fazer compras, voltar cheia de sacolas com livros em desconto. As palestras são tão disputadas que é preciso passar horas na fila para avistar, de um canto espremido, uma personalidade das letras falando de um assunto qualquer. Cortei as tais da minha vida. A Flip é a única festa literária que não falto. Vou feliz para Paraty todos os anos. Mas acontece que, desta vez, movida pela desculpa do encarte, fiquei tentada. Arrumei uma mala pequena, dois dias só, deixei Juma aos cuidados do porteiro, e lá fui eu.
Minhas sandálias percorreram grande parte dos vinte mil metros quadrados descritos no jornal. Não me pareceram tanto assim. Estandes e mais estandes com livros empilhados. Comprei vários. Impossível resistir a um exemplar de “Grande Sertão: Veredas” com 40% de desconto. O título está completando 50 anos e nunca esteve na minha prateleira até então. Tava na hora.
Saí feliz do Anhembi. Mas o contentamento acabou na mesma hora em que entrei no táxi. Cidade espalhada é São Paulo. Me sinto pequena, perdida naquele monte de ruas e prédios sem sentido, intermináveis. Os restaurantes podem ser maravilhosos, a comida deliciosa, as lojas com roupas irresistíveis, mas tudo o que sinto quando cruzo suas ruas é vontade de ir pra casa. Tenho a impressão de que a cidade é dividida por blocos e que cada um dos moradores só freqüenta um número limitadíssimo de quadras e ninguém se importa com o pedaço dos outros. São Paulo me deixa com um vazio por dentro.
Marquei a passagem para a manhã seguinte. Estava de bom tamanho e, quando o despertador tocou, levantei aos pulos. Feliz. Congonhas me pareceu acolhedor e, cada vez que Rio de Janeiro piscava nas telas de chamada, uma coisa vibrava aqui dentro. Casa. E lá fui arrastando minhas malinhas pelo saguão, uma só com livros. Na entrada para o embarque, dois taxistas descansavam do lanche observando os passantes.
_ Essa é carioca.
_ Do Rio?
_ Com certeza.
Falavam de mim e, no primeiro momento, achei que estava mal-vestida. Mas foi só olhar para os lados com mais atenção para notar que todos desfilavam casacos, calças compridas e sapatos fechados. Só eu com vestido de alça e sandália rasteira. Não adianta. Para mim, São Paulo vai ser sempre só um endereço para um compromisso marcado na agenda.
Até,
M.