Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

sábado, março 04, 2006

Bonecas russas

Querido F.,
Alberto me convidou para assistir a uma maratona Odeon. Não estamos mais juntos, mas, quando o amor acaba e a pessoa continua querida, conseguimos ser amigos. Claro que não agüentei os três filmes seguidos, não subi para ver o DJ tocando no segundo andar e apenas gostei de saber que, às 5h, eles servem café e bolo para os sobreviventes da noite. Com certeza, não seria uma delas. Sou uma senhora e, apesar de não dormir cedo, gosto de passar as madrugadas na minha casa. Assistimos somente à primeira sessão, “Bonecas russas”, continuação de “Albergue espanhol”, com mesmo diretor e elenco. A história fala novamente de relacionamentos. Estamos sempre a procura daquela bonequinha russa, a do miolo, a principal. Depois dela, mais nada. Acabou a busca. Encontramos o amor. Mas, surpresos, descobrimos que há sempre mais uma, numa sucessão de relacionamentos que não parece acabar nunca. Cansativo. Difícil. E lá vem Xavier aparecendo na tela, com trinta anos agora, morando de favor na casa de amigos, trabalhando em bicos a espera de uma editora que publique o seu livro, colecionando uma série de namoros que terminaram em desastre. E as nacionalidades se misturam, as fronteiras são cruzadas com facilidade. Ele acorda em Paris, dorme em Londres, viaja para a Rússia. Os amigos vêm da Itália, Espanha, Inglaterra, França... As culturas são diferentes, os idiomas idem, mas eles se entendem, conseguem se comunicar apesar de toda a dificuldade, das muitas imperfeições e ruídos. Vão seguindo. E o irmão de Wendy supera a maior das adversidades. Trabalhando como iluminador, conhece uma bailarina de uma companhia russa de balé clássico. Ela não fala nem uma palavra de inglês, ele não entende nada de seu idioma enrolado. São só sorrisos, acenos, mímicas. O grupo vai embora, o rapaz se matricula num curso para aprender a língua. Um ano passa, até que ele a procura de novo. Acha, claro. E, sim, há um casamento. Mas será que ela é a última bonequinha russa? O tal amor verdadeiro? Aquele do para todo o sempre, até que a morte os separe e coisa e tal? O filme acaba antes de a gente descobrir se, depois da bailarina, o menino se apaixona por uma dançarina de cabaré ou uma trocadora de ônibus. Olhei para o Alberto sentado ao meu lado. Qual será o próximo?
Até,
M.