Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

terça-feira, junho 01, 2004

Florianópolis, 01 de junho de 2004


Querido F.,


Não sei porque, mas o Sul do país sempre me atraiu. Acho que é porque eu tenho raízes por lá. Desde pequena eu ouço a minha avó contar histórias sobre a sua infância em Blumenau, as peripécias de uma jovem como ela pelas ruas e praças de Curitiba. Tenho que confessar que fiquei meio decepcionada quando pisei em Curitiba pela primeira vez. Não que a cidade não tenha atrativos. Lógico que tem. Mas eu imaginava outra coisa.
Hoje, depois de muitas idas e vindas, passei a descobrir os encantos de lá. Gosto principalmente da parte antiga do Centro e, é claro, me sinto atraída pelos lugares artísticos. Perto do relógio de flores tem um bequinho fofo com galerias de arte e lojas. Não me pergunte o nome, você sabe que não consigo guardar o nome das coisas. Mas agora ando melhorando, me obrigando a levar um micro bloquinho dentro da bolsa, para anotar tudo o que gosto. Comprei uma vez canecas e quadrinhos feitos com azulejos lindos por lá.
Mas isto tudo foi pra dizer que estou em Florianópolis.
Floripa. Não consigo evitar o apelido, tamanho é o meu carinho por aquela ilha.
De lá, talvez por coincidência, ou porque estou ficando velha também, gosto da parte antiga da cidade: Ribeirão da Ilha, onde dizem que Floripa começou. Tem um casario preservado numa ruazinha de pedra e uma praia calma, pequena, com uma faixa de areia estreita e muitos barquinhos estacionados. A desculpa para ir até Ribeirão são os restaurantes de ostras e mariscos. Há muitos ali. E, pelo menos os que conheço, servem tudo fresquinho e saboroso. Mas gosto de ir para simplesmente pisar num lugar onde parece que o tempo deu uma estacionada. Fiquei horas hoje por lá, sentada sozinha num destes restaurantes, Ostradamus, e vendo uma chuva forte lavar tudo do lado de fora,
Chovia. Mas a minha impressão era de que, ali, o vento tinha parado. O tempo estava estagnado. Passado, presente, tudo fica meio misturado. Não parece haver grandes diferenças e mudanças.
Ah, e as pessoas... As pessoas são outro grande atrativo da cidade. Gente simples. Tenho uma prima que morou anos na ilha e diz que a mentalidade do povo de lá era o que mais a deixava louca. Chegava a enervar. Por isso, a boba arrumou as malas e se mudou para o Rio. Diz que pensam estreito, são preconceituosos e quadrados.
Não sei. Não sei o que pensaria se morasse em Florianópolis. Mas, como turista, posso dizer que fico completamente encantada. Fui bem recebida em todos os lugares onde estive. Fiz perguntas idiotas e fui respondida com simpatia. Me meti na vida dos outros mesmo, querendo saber detalhes de suas rotinas de suas histórias. Fui atendida todas as vezes. E uma perguntinha assim, bobinha, pequena, simples, virava um papo enorme, de horas. Gente simpática.
Não encontrei porta fechada também. Explicava que estava de passagem, que tinha pouco tempo, que não podia voltar depois, e deixavam eu olhar o lugar, apreciar pelo menos um pouquinho. Aconteceu assim no Casarão da Lagoa, onde há oficinas de renda, biblioteca e exposição de arte. Aconteceu na igrejinha de Ribeirão e no moderno antiquário-bar-restaurante-galpão de restauração de móveis que abriram por lá. Isto, aliás, anda cada vez mais comum. Lugares com a cara de São Paulo e do Rio de Janeiro, no meio de Florianópolis. Acho bom, pelo menos por enquanto. A paisagem é paradisíaca, praias maravilhosas, a bela Lagoa da Conceição, a gente simpática, e os lugares antenados que fazem você se sentir, de alguma forma, conectado com o resto do mundo.
O Centro de Floripa é outro passeio gostoso. Meio tumultuado, lembrando o Centro do Rio também, com uma multidão caminhando por ruas estreitas. Mas por lá ficam os prédios históricos. E o Mercado Público, com sua falta de ordem, grãos, artigos de cozinha, bares, artesanato, objetos dos mais diferentes tipos, dos mais vagabundos aos interessantes, todos convivendo junto. Lembra um pouco as praças da Espanha, cercada por um antigo edifício. Há muitas em Madrid. Outras tantas em Bilbao.
Ai, Floripa...

Até...
Rio de janeiro, 28 de maio de 2004

Querido F.,

Sou uma andarilha. Não adianta. Podem dizer que o lugar e distante, que eu vou ficar cansada. Nao tem jeito. Se for possivel ir a pé, eu vou. E nao tenho medo nenhum de me cansar. Se isto acontecer, pego um taxi, um onibus, o metro, ora bolas.
Uma vez, numa viagem para Londres, peguei emprestado de uma amiga um guia da cidade. No fim, havia um mapa com o centro da capital inglesa. Os bairros divididos por cor. Sentia felicidade em ver que eu cruzava os quadrados mostrando as divisões a pe. Mostrava para outra amiga, orgulhosa, o percurso que tinha cumprido ao final de um dia. Em uma semana ja conhecia tudinho, todas aquelas areas. So assim eu consigo me virar num lugar. Se pego um ônibus, fico perdida. Não entendo a cidade, não consigo me situar pelas ruas.
E a verdade e que eu acho que so conheço uma cidade assim, andando.
Gosto de passear e ficar observando as pessoas na rua, o jeito de se vestirem. Admito que estico ate o pescoço quando passo na frente de uma fresta de porta ou janela abertas. Gosto de ver la dentro, quero saber como vivem, o que fazem, me colocar um pouquinho no lugar daquele individuo, saber como seria a vida na pele daquela pessoa. Meu jeito.
Andando por Londres descobri que, la, do outro lado, as pessoas são como aqui. Ja sabia, mas gosto de constatar assim, ao vivo. Se vestem igual, se portam muito parecido. Aquela historia de cabelo azul, cortes loucos. Não achei nada. Nada do que uma jovem da zona sul não usaria. Nada do que o Romulo do cabeleireiro Rush Rush não esculpisse na cabeça dos modernos daqui. E a globalização, não é?

Ai, que saudade dos acentos e pontos no lugar certo. Sumiram deste teclado.

Ate...