
O que mais me impressionou foram as fotos em preto e branco. Os quartos vazios, os muitos cachorros circulando, móveis velhos e pequenos objetos de uma vida solitária espalhados pelos cantos: uma xícara, um cobertor jogado em cima de uma poltrona, chinelos encostados ao pé da cama. Não era pobreza o que se via, mas simplicidade. Na capa vinha o seu retrato em close, o rosto marcado pelas rugas, os cabelos brancos desalinhados.
Na parte de dentro do Caderno de Literatura dedicado a ela estava uma longa entrevista e a história de sua vida. E foi assim que eu fiquei sabendo que Hilda Hilst era uma moça bela, de vida boêmia e namorados mil. Tinha fortuna, morava em São Paulo, passou meses viajando sozinha pela Europa e chegou a ter um caso com Marlon Brando (dizem!). Tinha livros publicados desde os 20 anos. Mas aos 33 resolveu se mudar para uma fazenda a onze quilômetros de Campinas. Deixou as festas de lado, os namorados, a vida boêmia. Tudo pela literatura. Os dias a escrever e ler, escrever e ler, escrever e ler. Talvez não fosse tão mal assim.E a idéia nem foi dela. A inspiração de optar pela solidão e se dedicar aos poemas e romances veio de outro escritor: o grego Nikos Kazantzakis. Autor de “Cartas a El Greco” e que defendia que só no isolamento o homem pode conhecer a si mesmo e estudar a complexa natureza humana. Talvez tivesse razão. Talvez. Provavelmente, também ele tenha feito o mesmo. Ainda não sei. Ainda.
E porque não poderia ser este, justamente este, o motivo do sumiço do escritor da minha vizinha? A necessidade de paz, concentração e de horas dedicadas aos livros. Ok. A idade avançada e o sucesso profissional depunham contra a minha teoria. Mas quem sabe ele não chegou à conclusão de que sua literatura era falha, superficial ou que não tinha escrito todos os livros que desejava? Quem sabe o problema não era um único livro, o livro. A obra-prima que pretendia deixar para a posteridade. Aquele que valia a pena o sacrifício, que demandava dedicação exclusiva, total.
Onde poderia estar agora? Escondido numa fazenda no interior de Minas? Numa casa de madeira em Visconde de Mauá? Pode ter ido para a Europa também. Como a polícia não cogitou esta hipótese? Quantos não fizeram o mesmo ao longo da história? Por que não ele? Passei a pesquisar os escritores que achavam que a literatura não podia ser dividida com mais nada.