Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

segunda-feira, outubro 03, 2005

Querido F.,

Eu sempre quis, é verdade. Você é testemunha disso e eu não ouso negar o que tantas vezes defendi em mesas de bar. Sempre quis um homem ao meu lado. Um homem para dividir a cama todas as noites, para regar as plantas, para me dar beijos e abraços no corredor, para me repreender nas vezes em que estiver errada. Queria encontrar roupas no quarto que não fossem as minhas. Esquecer um copo na sala e não dar de cara com ele, intacto, no mesmo lugar, uma semana depois.
Era para a alegria e a triste, para os sábados de sol e as manhâs de segunda mesmo. E hoje eu tenho. Chegou num adiantado da vida, é verdade também. Mas Alberto está aqui. Abro o meu armário e encontro suas roupas penduradas do lado das minhas. Trouxe os discos de jazz, os livros do Graciliano e pés quentes para me aquecer nas noites de frio.
E.... eu não sei se aguento. Não sei se consigo dividir. Porque esta história de dois virando um só... Eu tenho medo. Tenho medo de ser menos eu na presença do outro. De me perder na mistura dos corpos. Fico dizendo que minha alma é imensa, que precisa de espaço, que gosta de tomar conta da casa. Mas acho que, na verdade, tenho medo é que ela perca os seus contornos.
Tenho pânico de manchar esta personalidade que eu levei tanto tempo para criar. Há anos, grito no meu próprio ouvido que sou assim. Afirmei com convicção para mim mesma que existia. E agora, com o Alberto, pode não haver espaço para tantas leituras, tantas palavras soltas, tantas viagens, tantos prazer que me fazem diariamente lembrar quem eu sou. Tenho medo de não ser mais eu.
Até,
M.