
Eu estava lá. E vi que, atrás do Chico, uma linha única fazia voltas e cortava o palco, formando um perfil que reconheci de cara. Era o Rio. Mas parecia algo mais: aquelas linhas que sobem e descem dos aparelhos de eletrocardiograma. E fazia todo sentido. Não só por causa do nome do disco, do nome do show, mas por ele mesmo. Porque quando penso no Chico me vem na cabeça uma sucessão de palavras cariocas. Longas caminhadas no Leblon, Arpoador, Ipanema, mar, praia, cidade, favela, Madureira, Penha, amores, areia, janeiro, rio. Sentei na platéia e mais não posso dizer. Do meu lado tinha gente que falava inglês, alemão, minerês. E vi que a linha que formava o perfil das montanhas ia longe. E saí feliz.
Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade
Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa
Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores