Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

hoje tem baile funk, tem samba no flamengo...


Eu estava lá. E vi que, atrás do Chico, uma linha única fazia voltas e cortava o palco, formando um perfil que reconheci de cara. Era o Rio. Mas parecia algo mais: aquelas linhas que sobem e descem dos aparelhos de eletrocardiograma. E fazia todo sentido. Não só por causa do nome do disco, do nome do show, mas por ele mesmo. Porque quando penso no Chico me vem na cabeça uma sucessão de palavras cariocas. Longas caminhadas no Leblon, Arpoador, Ipanema, mar, praia, cidade, favela, Madureira, Penha, amores, areia, janeiro, rio. Sentei na platéia e mais não posso dizer. Do meu lado tinha gente que falava inglês, alemão, minerês. E vi que a linha que formava o perfil das montanhas ia longe. E saí feliz.


Lá não tem brisa

Não tem verde-azuis

Não tem frescura nem atrevimento

Lá não figura no mapa

No avesso da montanha, é labirinto

É contra-senha, é cara a tapa

Fala, Penha

Fala, Irajá

Fala, Olaria

Fala, Acari, Vigário Geral

Fala, Piedade

Casas sem cor

Ruas de pó, cidade

Que não se pinta

Que é sem vaidade


Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção

Traz as cabrochas e a roda de samba

Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae

Teu hip-hop

Fala na língua do rap

Desbanca a outra

A tal que abusa

De ser tão maravilhosa


Lá não tem moças douradas

Expostas, andam nus

Pelas quebradas teus exus

Não tem turistas

Não sai foto nas revistas

Lá tem Jesus

E está de costas

Fala, Maré

Fala, Madureira

Fala, Pavuna

Fala, Inhaúma

Cordovil, Pilares

Espalha a tua voz

Nos arredores

Carrega a tua cruz

E os teus tambores