Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

quarta-feira, julho 18, 2007

Longe de casa


Fiquei numa fila quilométrica durante a Flip, tentando pegar um autógrafo verdadeiro de J.M.Coetzee. Sempre achei uma besteira esta história de ter um livro assinado na estante de casa. Para quê? Qual a diferença? Na verdade, não quero saber absolutamente nada da vida dos escritores que admiro. Quando leio um livro, tenho a impressão de que o nome impresso na capa não se refere a uma pessoa de carne e osso. Não me interesso em saber se o autor acorda todo dia de manhã e come queijo-quente no café. Se tem a mania de organizar sua escrivaninha com esmero antes de cada dia de trabalho. Tenho curiosidade em relação à obra e ao universo que se abre ao virarmos cada página. E ponto. Nada mais.

Mas Coetzee subiu no palco silencioso, recitou uma introdução ensaiada sobre a obra que ia ler para o público. Com voz pausada, calma, leu trechos de seu novo livro e foi só. Gestos estudados. Fiquei com vontade de olhar ele bem no olho e a assinatura na primeira página serviu de desculpa. Fui.

Ele me recebeu com um sorriso, contido, como tudo mais. Rabiscou seu nome e olhou pra mim com riso igual ao primeiro, sem mostrar os dentes. Os olhos se tornaram expressivos, apesar do rosto de pedra. Tive a impressão de que ia falar alguma coisa, que as palavras estavam subindo pela garganta, mas por lá ficaram e saí com o exemplar embaixo do braço e a certeza de que eram tantas as histórias que criava que não tinha sobrado mais nada para viver de verdade. Uma vida que só existia na imaginação.

Depois, na orelha do romance, vi que ele tem mais ou menos a mesma idade que eu. Será? E descobri que morava não sei onde e que lecionou em tais e tais lugares. Não pode ser! A partir de então, me dediquei a procurá-lo pelas ruas de Paraty. Queria flagrá-lo se movendo de improviso, numa situação inesperada.

Avistei Coetzee no domingo de manhã. Levei um susto. Caminhava pelas ruas de pedra quando percebi que o escritor passava quase ao meu lado, o mesmo rosto da véspera. Os mesmos olhos expressivos e a mesma boca muda. Mas, de repente, tive a impressão de que perguntava: Quando me cumprimentarem, o que respondo?

Antes de pegar meu ônibus, vi mais uma vez. Uma cabeça branca saindo de um café. Foi parado por uma senhora, uma fã provavelmente, que lhe dirigiu palavras que não consegui escutar. Coetzee ficou parado olhando, perplexo, e, depois de alguns segundos, tirou de dentro seu sorriso sem dentes e inclinou a cabeça de leve.

Inadequação. Deve ter sido esta a palavra que ficou entalada na sua boca na noite de autógrafos. Talvez, sentisse falta de casa.