Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

quarta-feira, março 01, 2006

Cadê a minha Marie Claire?

Querido F.,
Durante todo o carnaval, recebi a assinatura da Marie Claire na porta de casa. Um rapaz louro, com cabelo de cachinhos vinha me entregar a revista todos os dias. Uma promoção para que pudéssemos conhecer a publicação e, a cada manhã, chegava uma diferente. Desta forma, li novembro, dezembro, janeiro e fevereiro em quatro dias. Hoje, quarta-feira de cinzas, preparei meu café e fiquei esperando a campainha tocar. Nada. O relógio passou das dez para as onze, pulou para o meio-dia e já vem marcando duas e meia. Nada. É claro que eu estava gostando de me espalhar no sofá e explorar outros cantos do mundo, outras histórias e fotos e mais fotos e fotos em cada página. Mas o que eu queria mesmo era ver o sorriso do rapaz pelo olho mágico, a mão estendida decorada com um anel de prata. Me apego. Sinto falta. Devia morar no interior, porque não me acostumo com o ir e vir constante da cidade grande. Fico presa aos pequenos detalhes e sofro com a falta que me fazem nos dias que seguem. Me pego imaginando por onde andam os dedos com o anel de prata pendurado, para que cantos e rostos o sorriso aparece. Sabia que era uma promoção por tempo limitado e nem por isso pensei em fechar a porta e ficar no quarto ouvindo a campainha tocar e fingir que não tinha ninguém em casa só por causa do prazo de validade tão curto. Mas uma parte de mim se espanta. Quer reter os momentos no tempo e fica imaginando o que pensava, por onde anda, que outras palavras saem daquela boca além de bom dia. A outra grita que a vida é assim mesmo. Que já estou há 52 anos por aqui e é preciso se acostumar com esta história. Juma me chama para passear. Pula de um canto para o outro com a coleira na boca. Lá fora está um sol bonito e o mormaço entra pela janela pedindo uma roupa fresca e um chapéu protegendo o rosto. Vou descer agora.
Até,
M.