Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

sexta-feira, outubro 07, 2005

Querido F.,

Outro dia, quando escrevia uma carta pra você, me lembrei de quando aluguel meu primeiro apartamento e resolvi que ia morar sozinha. Me incomodava aquele ambiente estático. Tenho uma família grande, muitos irmãos, você sabe. E estava acostumada a deixar um pente numa mesa e, minutos depois, descobrir que ele tinha parado na bolsa de alguém. De deixar uma blusa na cadeira do quarto e, depois do trabalho, ver que tinham lavado a peça.
Na minha casa nova, tudo ficava onde eu deixava. No início, foi um alívio. Liberdade, privacidade, domínio sobre a minha vida. Depois, meus rastros intactos pela casa só reforçavam a minha solidão.
Morava num apartamento de dois quartos no Grajaú, de frente pra mata, e, descobri, num dia de tarde, que a árvore em frente à janela da sala era visitada constantemente por uma família de micos. Passei a deixar, de propósito, uma banana descascada todos os dias dentro da fruteira. E quando chegava em casa, via que alguém tinha estado lá dentro. Uma banana meio devorada em cima da mesa, um saco plástico no chão, grãos de terra por alguns cantos da casa. Eram educados aqueles micos. Comiam o que tinha sido deixado para eles e iam embora sem muita bagunça. Era uma presença sutil, mas foi um alívio ver que havia vida dentro do meu espaço.
Os anos se passaram, eu mudei de apartamento, de bairro, de vida. Eu e Juma passamos a formar uma dupla perfeita. Hoje... não sei se consigo abrir espaço pra mais alguém.
Até,
M.