Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

sexta-feira, maio 04, 2007

ai, ai, ai...


Acordei com o joelho doendo. Nem consigo andar. Talvez seja carência... Sempre achei que hipocondria era carência afetiva e, agora que me nasceu este problema na rótula, posso confirmar a tese. Saí pela manhã para o supermercado. Mais de 30 minutos para caminhar, arrastando a perna, a extensão da Barão de Ipanema. No trajeto fui parada por três pessoas que nunca tinha visto na vida. Repito: NUNCA na vida.

- Machucou a perna?

Contente, expliquei:

- Não. É uma inflamação na cartilagem do joelho. Nada demais. Preciso fazer fisioterapia, mas demora pra ficar bom. O médico disse que isso é comum em mulheres, que têm a musculatura da perna sei lá como e precisam de mais exercício e coisa e tal. Mas escapo de uma operação. Bem, o médico acha. Nunca se sabe...

Mais alguns passinhos e um senhor me repetiu a mesma pergunta.
- Machucou o pé?
Feliz, repeti o discurso.
- Não, é uma...
E, invariavelmente, recebi uma receita infalível para curar inflamações na cartilagem do joelho.
- É só botar gelo no local três vezes ao dia.
- Experimenta umas gotinhas de arnica dissolvidas na água. Tiro e queda.
- Repouso. Não devia estar andando. Um dia deitada e levanta nova.
Solidários. Não na alegria e na felicidade, isso é certo. Mas, SEMPRE, na tristeza e na doença. Agradeci a todos os conselhos. Prometi com ar convincente seguir as instruções à risca. E voltei do supermercado com um saquinho envolvendo o detergente. Quando cheguei em casa, vi que nem precisava ter comprado. Tinha um refil guardado na despensa.
Agora, deitada no sofá, mudando os canais da TV com um controle remoto, já me sinto bem melhor. O joelho nem me dói tanto... Mas... se piorar amanhã... talvez tenha que comprar uma bengala!

terça-feira, maio 01, 2007

Risadas ao telefone



Não fui eu quem inventou esta história. Li numa crítica de jornal. Destas de cinema. Logo na primeira frase o autor repetia o verso de Vinícius de Moraes: Todo grande amor só é bem grande se for triste. E eu ri da cabeça virar até atrás e parei para me ver assim no espelho, cheia de certezas, olhos cansados de quem já passou da metade da vida. Tirei o telefone do gancho e liguei pra Olga de troça.

- Tá no jornal de hoje. Olha lá.
- Quem assina? O Romeu?
- É! Deve ser ele! Acabou de conhecer a Julieta no baile e se deu conta de que ela é da família inimiga.

E um monte de hahahahahas preenchendo o tempo entre as frases.

- Mas Romeu é um adolescente!!!!

E a gente ria, ria, como quem sabe de tudo. E da crítica do jornal, passamos pro poema do Vinícius.

- Mas ele tava falando que quem se protege da vida perde a melhor parte dela – arrisco a Olga.
- Acho que não. Acho que é coisa de gente apaixonada. Ele sabe que ficar junto vai ser difícil, mas que chegou a um ponto que não tem como ir embora mesmo. O famoso se ficar o bicho pega, se correr o bicho come.

E as duas ficaram em silêncio. Fazendo na cabeça uma retrospectiva dos amores do passado. E desatamos a soltar um bando de nomes: João, Felipe, Tobias, Delfim, Juca, Célio, Anderson, Francisco...

E a Olga empacou no Felipe.

- Verão de 64. Nunca esqueci. Aquele sim. Grande amor... – e um suspiro subiu pelo telefone.

E não me arrisquei a falar, mas me lembrei do Alberto de pronto. Namoro cheio de brigas, que terminava e voltava, terminava e voltava, terminava e voltava. Até que um dia eu arrumei uma mochila enorme e falei pra minha mãe que ia viajar nas férias pro Nordeste. Fiquei três meses pulando de cidade em cidade. Demorei umas semanas na Bahia. Fiz amigos em Fortaleza e voltei no inicinho das aulas. Ele já estava com outra, se casou com ela. Teve três filhos e hoje deve ter uma penca de netinhos. Amorzão. Não esqueço.

Falei pra Olga que a máquina de lavar tinha parado. Tava na hora de estender as roupas. E desliguei o telefone pensando porque afinal de contas a gente só se lembra dos que não deram certo, das histórias cheias de sofrimento. É por que ficamos pensando no que poderia ter sido? Se Romeu tivesse se casado com a Julieta a gente não lembrar mais dele? Vou guardar esta crítica pra ler de novo mais tarde...