Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

segunda-feira, outubro 06, 2008

mais um para o café da manhã

Da janela eu via ele se afastando. As sandálias de couro batendo no chão de pedra e o cabelo ainda molhado do banho frio que insiste em tomar toda manhã. Em casa ficou o cheiro forte do perfume, que se espalha pelo jornal, a maçaneta da porta e todo local que os seus dedos toquem. Saiu para comprar pão e voltou horas depois com um embrulho extra embaixo do braço. Me contou a história sem soltá-lo do colo, cortando um pedaço de bisnaga e besuntando a fatia com manteiga Aviador, evitando me olhar nos olhos.
O dia tava novo ainda e foi por isso que o barulho dos carros não tinha tomado conta de tudo. Passava perto de casa, o saco pardo já agarrado pela mão, quando ouviu algo baixo, mas constante. Difícil precisar de onde saía o choro. Uma senhora de vestido vermelho passou assim rentinho dele e continuou com o andar firme pela rua, sem parecer escutar coisa alguma. Um surfista veio logo depois com uma prancha grande demais para o seu tamanho e o Fernando ficou olhando atento os pés do moço tocarem o chão, num ritmo constante, que se aproximou e se afastou sem se conter minuto algum, sem mudar a rota para detectar de onde vinha aquele barulho estranho. Talvez não existisse som algum. Talvez só ele escutasse. Uma voz dentro de seu ouvido que ninguém conseguia notar.
Foi quando olhou para as rodas de um Gol vermelho parado na esquina e viu alguma coisa preta se mexendo de leve. Quanto mais se aproximava, mais escutava com nitidez. O preto levantava e descia como num respiro, soltando um sonzinho constante e desanimado.
Era pequeno, magro, cabia na palma da mão e me olhava do seu colo enquanto a história ia ganhando forma, abanando um rabo fino e com pouco pêlo. Chegou na minha casa sem choro algum e parecia consolado, aninhado nas mangas grossas do casaco. Peguei o cachorrinho e levei para a área de serviço, com a Juma curiosa e animada atrás de mim.
Temos um novo integrante em casa. Alfredo gosta de Papita com água morna.

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