Os textos desta página são cartas que M. escreve para um amigo que (acho) mora na Europa. Todos os dia de manhã, ela deposita um envelope embaixo da minha porta. Depois de encher as latas do condomínio de bolos de papel, desisti, e resolvi publicar algumas por aqui. Assim, quem sabe, podem algum dia atingir o seu destinatário... Renata Magdaleno

domingo, julho 19, 2009

Mais um para o café


Já estávamos na cozinha tomando café da manhã. O Fernando com um roupão azul de toalha e eu com um velho de seda brilhoso, comprado em uma viagem muito antiga, com alguma coisa em japonês escrita nas costas que até hoje não consegui (e nem tentei) decifrar.
Os cachorros começaram a latir antes mesmo que a campainha tocasse.
- Sra. Magnólia Flores? Delegado Edgard.
E me estendeu a mão sem falar sobrenome ou mais nada, como se a palavra delegado fosse o suficiente para que eu o convidasse a entrar. Apertei a mão e continuei em pé na porta, sem sair o lugar.
_ Sou o responsável pela investigação do caso do Sr. Luis Antonio Boas e gostaria de conversar um minuto com a senhora. A senhora me convida para um café?
Eu juro que nunca acreditei que isso realmente acontecesse na vida real. Sempre achei que só nos filmes ou nos livros policiais uma abordagem como essa poderia existir. Eles não tinham que mandar cartas pelo correio, convocando para algum tipo de interrogatório? Uma correspondência dessas que você pode fingir que não recebeu?
Mas eu convidei. E o Fernando foi fazer o tal do café, enquanto a Juma e o Alfredo se encarregavam da vistoria, cheirando cada pedaço do sapato do delegado, verificando por onde ele tinha passado, arquivando aqueles cheiros todos na memória.
Nos jornais a história toda parecia há muito esquecida e admito que até eu, com tanto movimento pela casa - homem, livros, cachorros, estantes - tinha perdido o interesse. Quando passava pela portaria nem via mais o bolo de cartas em cima do armário e tudo estava como sempre esteve desde que me instalei por aqui. Foi isso o que disse para o delegado, depois de ele ter me explicado que os dois ainda andavam sumidos e que as investigações nesse tempo todo pareciam não progredir, até que uma pista importantíssima mudou tudo e a polícia tinha começado a interrogar os vizinhos.
Não conseguia prestar muita atenção nas palavras que o delegado Edgard dizia. Olhava para o senhor de jaqueta na minha cozinha e, bem atrás da sua cabeça, via a carta de amor da vizinha escrita a lápis presa na geladeira e, na mesma parede, o quadro que Fernando tinha organizado com gráficos e anotações. E pensava no que poderia dizer se ele resolvesse pedir para conhecer a casa. No escritório, em cima da mesa do computador, estava uma caixa com os bolos de correspondência que roubei da portaria.
Mas depois de me perguntar sobre o casal, quantas vezes tinha visto os dois, como estavam nesses momentos, como era o movimento do prédio antes e depois, ele quis saber do Fernando. Tá certo que ele chegou do Chile bem depois de a história toda ter acontecido, mas era justamente isso o que parecia interessar ao investigador.

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